E agora, Alemanha, qual o passo seguinte? Repetida até à exaustão pela comunicação social estrangeira, em Berlim, e repetidamente contestada, nos vários quadrantes do poder político alemão, com um nervoso “não sabemos bem”, a mais básica e simples pergunta que todos querem ver respondida – e as consequentes pouco convictas respostas oferecidas por quem de direito – refletem bem o estado de incerteza que se apoderou dos alemães e ao qual revelam ser profundamente alérgicos.
Em causa está o falhanço das conversações preliminares com vista à formação de um inédito governo de coligação na Alemanha, entre a União Democrata-Cristã (CDU, na sigla em alemão), a União Social-Cristã (CSU) – “irmã” da CDU na Baviera – o Partido Liberal Democrata (FDP) e os Verdes, depois de uma longa maratona que terminou abruptamente no passado domingo.
Divergências insanáveis em matéria migratória e energética terão estado na base do abandono dos liberais da mesa das negociações, que justificaram o gesto com a “inexistência de uma base de confiança” entre as partes. “É melhor não governar que governar mal”, defendeu Christian Lindner, líder do partido.
A desistência abrupta do FDP deitou (para já) por terra a badalada solução “Jamaica” – assim chamada na Alemanha pelas semelhanças entre a combinação das cores dos partidos e a bandeira daquele país da América Central – e colocou uma Alemanha já baralhada com os resultados pouco esclarecedores das eleições federais do passado mês de setembro – que ditaram uma vitória magra da CDU/CSU (32,9% dos votos), uma perda brutal de votos do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, 20,5%) e uma entrada de rompante dos xenófobos e nacionalistas da Alternativa para a Alemanha (AfD, 12,6%) no parlamento alemão -, sem saber como lidar com as alternativas para superar um bloqueio nunca visto na História política recente do país. E isto num contexto económico favorável, com uma taxa de desemprego diminuta e níveis de crescimento interessantes.
Em cima da mesa estão vários cenários, mas nenhum parece agradar aos diversos atores em jogo e, mais do que a eles, ao eleitorado alemão, pouco aberto a situações ditas irregulares. “Os alemães estão habituados a cenários previsíveis e, com Merkel, a consensos”, confirma-nos Petra Pinzler, correspondente do “Die Ziet” em Berlim. “O desfecho destas eleições foi uma surpresa para as pessoas, em todas as suas vertentes”.
O primeiro cenário é o regresso dos partidos desavindos às negociações e foi suplicado pelo presidente Frank-Walter Steinmeier, num comunicado ao país, horas depois de se ter reunido com a chanceler. “Enfrentamos uma situação sem precedentes na História da democracia alemã. [Mas] será incompreensível e muito preocupante, tanto dentro como fora do nosso país – e particularmente junto da nossa vizinhança europeia -, se as forças políticas do maior e economicamente mais poderoso país da Europa não conseguirem cumprir com as suas responsabilidades”, defendeu, na hora de chamar as partes desavindas a reconsiderar.
Um segundo cenário possível já nem deveria constar desta lista, uma vez que o Martin Schulz voltou a insistir na indisponibilidade do SPD em renovar a chamada grande coligação, com a CDU, que, relembra, “recebeu claramente um cartão vermelho” nas eleições. Consciente de que os sociais-democratas atravessam um período crítico da sua existência enquanto alternativa credível à CDU e verdadeira solução de governo, o ex-presidente do Parlamento Europeu está resoluto aproveitar-se o papel de segunda força no Bundestag, para fazer uma oposição forte a Merkel e reanimar o interesse do eleitorado do centro.
Uma terceira hipótese seria a constituição de um governo minoritário liderado por Merkel e apoiado no Bundestag pelos ecologistas. Uma solução nunca experienciada na Alemanha e, por isso, pouco entusiasmante para os cristãos-democratas, habituados a controlar a arena política alemã e a definir a agenda do parlamento.
Resta, portanto, um quarto cenário, igualmente inédito na Alemanha, e que está assente num grau de imprevisibilidade tal, que dificilmente agradará aos vários peões do xadrez alemão: a convocação de novas eleições para desatar o nó. Uma possibilidade que, tendo em conta as três votações que o Bundestag ainda terá de realizar – definidas pela Constituição para a escolha do novo chanceler, com ou sem maioria -, dificilmente terá luz verde antes de fevereiro ou março e que apenas agravará o estado de nervos na zona euro.
Mas que até está ser bem recebida junto dos partidos do sistema. Schulz já garantiu que no SPD ninguém “está com medo” de ir novamente a votos e a própria Merkel confessou que essa hipótese seria “um caminho mais favorável” que a formação de um executivo em minoria no parlamento. Posições que podem ser encaradas como verdadeiras demonstrações de coragem dos principais partidos alemães, considerando o potencial de estragos que as mesmas podem vir a proporcionar a ambos os líderes e, possivelmente mais significativo, o potencial de ganhos que as mesmas podem oferecer à extrema-direita.
O falhanço das negociações de governo poderá enviar aos eleitores desagradados com o establishment alemão uma mensagem clara da sua incapacidade em procurar uma solução útil para o país e em abdicar de algumas reivindicações em nome do bem comum, e instá-los a ouvir o que AfD tem a dizer. “Acredito que a AfD sairá reforçada num eventual cenário de eleições. Independentemente da presença dos Verdes [nas negociações para a coligação “Jamaica”], a solução de governo que falhou foi a oferecida pela direita. E dificilmente a CDU ou o FDP vão conseguir obter mais votos que em setembro, seguindo a mesma estratégia”, garante-nos Phillip Bertram, membro do parlamento da cidade de Berlim, eleito pelo Die Linke – a quinta força no Bundestag, com 9,2% dos votos nas últimas eleições.
A situação inédita que se vive na Alemanha por estes dias, também o é muito por culpa da imagem transmitida pela chanceler. A capacidade destacada por Pinzler para obter consensos e encontrar soluções de forma pragmática e objetiva, aprimorada nos últimos 12 (!) anos de liderança, transformou Angela Merkel numa autêntica campeã da estabilidade, dentro e fora de portas e contribui para eliminar qualquer concorrência interna dentro da CDU. Esta realidade sofreu um forte abalo com a perda de votos para a AfD e com as dificuldades em levar para a frente a coligação “Jamaica”, mas aparentemente não abre caminho para uma eventual solução sem a chanceler.
Em declarações ao i, uma fonte próxima da administração do Estado alemão não acredita num cenário sem Merkel e lembra que o estatuto por ela adquirido ao longo dos anos ainda é suficiente para a manter na primeira fila da governação. “Aos olhos dos alemães, Merkel é sinónimo de estabilidade e é alguém com quem podemos contar. É claro que a perda de votos da CDU levantou questões, mas na Alemanha sempre estivemos de acordo com a presunção de que Merkel vai liderar o país. Seria necessária uma revolução interna no partido para tal não acontecer”, explica.
Para já a chanceler garante que “tudo fará”, para garantir que a Alemanha “será bem gerida nas semanas difíceis que aí virão” e pede a todos os alemães para “refletirem profundamente” no rumo que querem para o país. Começar por refletir sobre o próprio conceito de instabilidade política não seria um mau conselho.