De secretária a amante, de amante a primeira-dama, de primeira-dama a sucessora.
Sally Mugabe morria de doença renal quando o presidente de Zimbabué lhe revelou que tinha uma relação extraconjugal com a sua secretária pessoal, Grace Marufu. Foi o próprio Robert Mugabe que o revelou, numa entrevista dada em 2013. «Eu disse-lhe. Ficou muita calada, disse que não tinha mal, mas acabou por perguntar: ‘Ainda me amas?’. Eu disse-lhe que sim. E ela disse ‘então, está bem’». Sally morreria em 1992 e Mugabe contrairia matrimónio com Grace quatro anos depois, em ’96.
«Não foi só o facto de me sentir atraído por ela. Depois de perder a Sally, era preciso encontrar alguém. Mesmo durante os últimos dias dela, apesar de poder parecer um pouco cruel. Não queria morrer sem filhos, nem queria que a minha mãe morresse sem ver netos. Por isso, decidi fazer amor com ela. A Grace era umas pessoas mais próximas de mim e era divorciada. Conseguimos ter o nosso primeiro filho quando a minha mãe ainda era viva», revela na mesma entrevista. «Quando a pedi em casamento, era genuíno. Disse-lhe que deixaria qualquer namorada que tivesse, que a queria reconhecer como minha companheira única», contou também.
A versão da história de Robert Mugabe, no entanto, não é exatamente fidedigna. Grace Marufu ainda estaria casada com Stanley Goreraza, oficial da Força Aérea, quando o caso com Mugabe começou. Gorereza foi depois convenientemente colocado como assessor de Defesa numa embaixada… na China. Grace Marufu, depois – e até hoje – Grace Mugabe – é 41 anos mais nova do que o chefe de Estado. Bona, a sua primeira filha, nasceu em 1989, ou seja, três anos antes de Sally, a primeira mulher de Mugabe, falecer. Desde aí, o regime, coincidentemente, endureceu e ainda hoje Sally é recordada com respeito e saudade pelo povo do Zimbabué. Mugabe e Sally haviam antes perdido um filho, na década de 60, defunto com somente três anos, vítima de malária: Michael. Mugabe era ainda preso político do regime anterior ao seu. Depois dele e de Sally partirem, ficou Grace. E agora é Grace que se arrisca a ficar, mesmo depois de Mugabe sair de cena.
Mas quem é, verdadeiramente, Grace Marufu Mugabe? Ou o que já foi até hoje?
Contrariamente à primeira-dama que acabou por suceder, Grace não teve inicialmente a mesma ligação com o país. Em primeiro lugar, alguns setores não esqueciam que fora amante de Robert Mugabe enquanto a ainda primeira-dama se encontrava no leito de morte. Em segundo lugar, o estilo extravagante de Grace, especialmente se comparado com a pobreza do seu país, valeu-lhe a alcunha de ‘Gucci Grace’. É conhecida por vastos gastos em compras – num fim-de-semana em Paris gastou uns reportados 120 mil dólares em roupa. O facto de ter adquirido grandes propriedades rurais desde que é primeira-dama – é o filho do primeiro casamento que as gere – e de o regime ter endurecido politicamente desde a sua aproximação ao poder também não ajuda. As polémicas, contudo, não terminam aí.
A atual primeira-dama está sancionada pela União Europeia e pelos Estados Unidos, não podendo deter propriedade ou contas bancárias nos países incluídos. Em 2009, de visita à filha, que estudou em Hong Kong, agrediu um fotojornalista do Sunday Times que registava a saída da família de um hotel de luxo e as autoridades chinesas concederam-lhe imunidade diplomática. Em 2010, processou um jornal zimbabuano que citou revelações da Wikileaks que a ligavam a enormes lucros relacionados com minas de diamantes.
Em 2014, recebeu um doutoramento em sociologia pela Universidade do Zimbabué, sem defender qualquer tese e após estar matriculada durante apenas três meses na instituição. No mesmo ano, assumiu a liderança da liga feminina do partido. Foi nomeada «por aclamação em congresso», o que não difere muito de ser doutorada sem dissertação.
Num comício, também em 2014, respondeu à questão sobre um eventual futuro na presidência assim: «Sou zimbabuana, por que não?». Joice Mujuru, na altura vice-presidente, saira esse ano. Alegadamente por influência da ascensão da primeira-dama.
Em 2017 esta ascensão política disparou, na medida em que o seu principal rival na sucessão ao marido, o vice-presidente Emmerson Mnangagwa, foi também convenientemente afastado após quatro décadas de serviço devotado a Robert Mugabe.
Este ano, todavia, não deixou de acrescentar nova agressão no currículo: na África do Sul agrediu uma modelo que se encontrava num hotel com dois dos seus filhos. A modelo, Gabriella Engels, processou a primeira-dama do Zimbabué que, mais uma vez, viu a imunidade diplomática escusá-la de responsabilidades.
A sua proeminência política, essencialmente nas gerações que não têm idade para terem combatido na guerra da independência, fá-la menos popular junto da classe militar mais veterana – precisamente os mesmos que esta semana se rebelaram contra a sua ascensão. Com menos 41 anos do que Robert Mugabe e ainda relativamente jovem para política – tem 52 de idade – vem-se tornando na mais provável sucessora do marido, que é o chefe de Estado em funções há mais tempo em funções no planeta.