Alta, tranquila, assertiva e de vestido florido, Margrethe Vestager não vacilou por um segundo quando, na semana passada, durante a cerimónia de abertura da Web Summit, a primeira pergunta que lhe dirigiram em palco mais não foi do que uma pirraça. «How fucked up is Sillicon Valley?». O que era, na verdade, esta provocação quando comparada com os mega processos que instaurou a algumas das maiores empresas do mundo? Nada.
Mas quem é a mulher que multou a Google em 2,4 mil milhões de euros por práticas monopolísticas ou o Facebook em 110 milhões por prestar informações falsas ao adquirir a Whatsapp? Descrita na imprensa como «temida» e «implacável», a voz e postura de Vestager contrariam, no entanto, a imagem de durona. Mas o conteúdo do discurso, esse sim, não tem contemplações. «É preciso ter a certeza de que todos os negócios têm oportunidades justas de suceder no mercado», afirmou nessa sessão, aludindo à ‘repreensão’ à Google.
No dia seguinte, ainda na Web Summit, insistiu. «As receitas realizadas nos endereços IP europeus (ou seja, dispositivos conectados à Internet por um país europeu, etc.) devem ser europeias». O discurso da comissária – que mantém uma boa relação com o português Carlos Moedas – com quem tirou selfies durante o evento – não deixa margem para dúvidas: estamos perante uma europeísta convicta. «Nunca me sinto tão europeia como quando estou nos EUA. Construímos um mercado enorme, mas é um mercado em que nos preocupamos com o ambiente, as condições de trabalho, etc. Temos de intervir, temos de garantir que não é a lei da selva, mas as leis da democracia».
Ideais que Vestager traz, ao fim e ao cabo, no código genético – o partido dinamarquês no qual fez, desde os 21 anos, a caminhada política – o Radikale Ventre (Partido Social Liberal) – foi criado em 1905 pelo seu trisavô do lado materno. Os pais, pastores luteranos, foram também membros do partido. Margrethe acabou por candidatar-se em 1989 enquanto ainda estudava economia na Universidade de Copenhaga para substituir, justamente, a mãe. Um episódio que a própria já contou muitas vezes e que repetiu em Lisboa. «Disseram-me que não havia risco de ser eleita, e eu pensei: por que não?».
Foi eleita. E foi muito longe. Aos 29 anos, já era ministra, aos 33 deputada e antes dos 40 – aos 39 anos, precisamente – era líder do partido de centro-esquerda da Dinamarca.
Desde 2014 que integra a comissão Junker. No ano passado, foi eleita pela Financial Times como uma das dez mulheres do ano. A revista Foreign Policy também a colocou como uma das personalidades mais influentes do planeta. E o jornal Berlingske considerou-a ‘Dinamarquesa do Ano 2016’. Este ano, entrou pela primeira vez na 31.ª posição na lista dos ‘50 Mais Poderosos’ do português Negócios. Já na app da Web Summit, usada pelos visitantes do evento, é a personalidade mais popular, à frente de nomes como Al Gore, António Guterres ou François Hollande.
Aos 49 anos, mantém em Bruxelas um hábito pelo qual já era conhecida na Dinamarca: o de tricotar, mesmo durante as reuniões no colégio dos 28 comissários europeus. Partilha frequentemente fotografias no Twitter – incluindo as dos jornalistas que a entrevistam ou que apanha nos corredores –, aparece quase sempre de vestido e, na semana passada, no segundo dia da cimeira tecnológica, não se inibiu de usar ténis durante uma apresentação a solo. É também conhecida pelo sentido de humor e por, apesar de ser uma negociadora nata, conseguir explicar em palavras simples pesados dossiers que lhe levaram – a ela e a um batalhão de advogados – anos de trabalho.
Na Dinamarca, e também na Europa, Vestager é um verdadeiro fenómeno de popularidade que já foi adaptado à televisão. A série Borgen é justamente inspirada nesta nova postura de fazer política. Para se preparar para o papel de protagonista da série, a atriz dinamarquesa Sidse Babett Knudse acompanhou a comissária durante semanas. Resultado? Borgen virou, também, uma série de culto.