O povo não come no Panteão

Completaram-se recentemente dois anos sobre a celebração dos acordos parlamentares entre PS, BE, PCP e PEV, que conduziram à edificação do XXI Governo Constitucional, liderado por António Costa. Nascia a ‘geringonça’, batizada, com desdém, por uma casta conservadora e agarrada aos ditames do medo e da culpabilização coletiva de um povo que, sofrendo, nunca cedeu…

Deixemos ao tempo o encargo de enquadrar e julgar, na sua real dimensão, a verdadeira magnitude transformadora do mais debatido e escrutinado acordo parlamentar da nossa história contemporânea. Todavia, o pensamento crítico força-nos a recordar as ásperas proclamações de então e a destacar os superlativos resultados obtidos nesta governação.

A despeito do disposto na Constituição da Republica Portuguesa, perante a elevação dos estandartes da ilegitimidade democrática, os arautos da desgraça decretaram, sem hesitação, o fim dos tempos. Numa perspetiva histórica mais abrangente, sabemos hoje que esta narrativa teve a sua génese na necessidade de ‘salvar a pele de um líder’ que advogava no empobrecimento coletivo consciente a sua convicta missão de salvação da Pátria.

Em 2015, para além das acusações de magna traição erigidas a cada uma das forças políticas signatárias, sobrelevaram-se as certezas de que a desgraça nacional definiria e definharia a alternativa apontada pelas esquerdas, consubstanciadas nas dantescas previsões de instabilidade política, no regresso da malfadada troika, das impossibilidades aritméticas de cumprimento dos acordos internacionalmente assumidos, na insanável perda de identidade política dos seus proponentes, na fuga massiva do capital estrangeiro, no definhar da Economia ou até, pasme-se, nas previsões de expulsão de Portugal da NATO e da Zona Euro.

À retrospetiva, estamos autorizados a rir do ridículo das alegações de então, não apenas porque a realidade as desmentiu com categórico estrondo, ou tão pouco pela mesquinhez de nomear e envergonhar os demagogos de então, mas, fundamentalmente, porque de facto Portugal, e os portugueses, têm com os resultados da Geringonça mais motivos para sorrir e redobrado alento para encarar o futuro.

Orçamento após orçamento, com palavra e sem necessidade de retificação, a direita assistiu com lamento à fortificação da saúde das contas públicas, à saída de Portugal do procedimento de défice excessivo, à elevação da notação da dívida da República portuguesa do nível de lixo, à descida da cotação das yields a menos de 2%, à aceleração do crescimento da nossa economia acima da média da zona euro, ao crescimento das exportações para máximos dos últimos sete anos e, fundamentalmente, ao registo do menor défice história do Portugal democrático, com consequente queda da dívida pública em função do PIB. Ao atingir estas metas reforçámos e protegemos a nossa soberania.

No domínio do Emprego, assistimos à queda em candeia da taxa de desempregados que, pela primeira vez em 11 anos, se cifra abaixo da media da zona euro, correspondendo à maior criação de emprego do século. Na prática, a cada hora 15 portugueses encontram ocupação e dignidade. Tudo isto conquistado enquanto retirávamos 460 pessoas por dia da condição de pobreza, aumentávamos pensões, o Rendimento Social de Inserção, o Complemento Solidário para Idosos e os abonos de família. Tudo isto enquanto eliminávamos os cortes nos subsídios de desemprego e descongelando as progressões nas carreiras. Nas palavras de Carlos César, num dos mais substantivos discursos da XIII legislatura, «se CDS e PSD não gostaram, pior para eles, melhor para Portugal e melhor para os portugueses».

Volvidos dois anos de sucessos inegáveis, inclusivamente reconhecidos por Pedro Santana Lopes, vivemos hoje estranhos dias de indignação avulsa. Na ausência de argumentos políticos substantivos os ‘episodiogarcas’ – espécime nascido das redes sociais e entretanto migrado para os discursos oficiais – dedicam-se à ‘Casocracia’: a arte de esmiuçar, até ao absurdo, pequenas superficialidades do quotidiano. Perante o vazio político que caracteriza a atual minoria de direita, e à qual não é alheia a luta pelo poder no PPD/PSD, o komentariado agita-se apaixonadamente em torno de coisa alguma.

Se o país político não enlouqueceu, não será abusivo afirmar que paulatinamente o pensamento acriticamente adesivo tem vindo a esmagar o pensamento crítico e a derradeira razão de ser da própria política: servir as pessoas.

Se o Porsche, o cão e o Panteão ocupam lugar de destaque no quotidiano político, se são as redes quem ditam a agenda mediática, é tempo de recordar o pensamento da imensa Simone Weil, assim escrito há 74 anos: «Um pouco por todo o lado, a operação de tomar posição pró ou contra, substituiu a operação do pensamento. Estamos perante uma Lepra». Epidemia essa que apenas será erradicada quando a política do real se sobrepuser à proclamação oca por um minuto de atenção.

O ‘português médio’ não come soundbites, tweets ou outros spins mas, hoje, come melhor que antes desta governação. A ‘geringonça’ poderá ser adulada ou abominada, admitamos que possa até ser irrepetível, mas o fruto da sua obra não poderá, jamais, ser questionada.