Penny Mordaunt. Uma brexiteer desinibida disposta a saltar da prancha

Nova ministra da Internacionalização britânica tem um percurso sólido no Partido Conservador, mas a maioria dos britânicos conhece-a pela participação no programa televisivo Splash!. Muito popular junto dos tories eurocéticos, Penny chega finalmente a um cargo político de topo disposta a recuperar o protagonismo aparentemente perdido com a chegada de Theresa May.

Quando no início deste mês Michael Fallon saiu do Governo, envolto num escândalo sexual, pelos corredores de Westminster e das redações dos principais meios de comunicação do Reino Unido o nome de Penny Mordaunt era tido como um dos mais consensuais a poder vir a assumir a pasta da Defesa. Reservista na Marinha, filha de um antigo paraquedista, minister of State (um cargo equivalente ao de secretário de Estado, em Portugal) das Forças Armadas do último executivo de David Cameron, e fundadora de um programa destinado a apoiar veteranos da Segunda Guerra Mundial, a deputada de Portsmouth North tinha tudo para se tornar na primeira mulher da História britânica a assumir o cargo.

Theresa May acabou por escolher Gavin Williamson para ministro da Defesa, mas a oportunidade para Penny poder chegar finalmente a um posto de topo da política britânica acabou por surgir na semana seguinte, com a nomeação para o cargo de ministra da Internacionalização, em substituição da amiga Priti Patel, caída em desgraça na sequência das revelações, trazidas a lume pela BBC, de que aproveitou umas férias familiares em Israel para se reunir com figuras políticas e empresários locais, sem as reportar ao Governo ou às representações diplomáticas britânicas.

Com um trajeto bastante sólido dentro Partido Conservador, esperava-se que Penny Mordaunt tivesse assumido uma posição de maior protagonismo na equipa de May, até porque foi uma das vozes mais ativas da campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia e consolidou-se como uma figura bastante popular junto dos tories que defenderam o leave no referendo à Europa – esse respaldo da ala eurocética do partido por pouco não a colocou na luta pela liderança do mesmo, em julho de 2016, no lugar de Andrea Leadsom. Mas primeira-ministra decidiu oferecer-lhe o cargo de secretária de Estado das Pessoas com Deficiência, Saúde e Trabalho, refreando, através dessa oferta, uma ascensão política que seguramente apontava a voos mais altos – leia-se um ministério.

 

De Portsmouth à Roménia e a Westminster

Filha de um militar que se dedicou ao ensino e de uma professora de alunos com necessidades especials, Penelope Mary Mordaunt nasceu em Torquay, a 4 de março de 1973, mas aos dois anos mudou-se para Portsmouth, onde cresceu com os irmãos Edward e James – seu gémeo. Entre a primeira etapa do seu percurso académico, na Oaklands RC Comprehensive School, e entrada na Universidade de Reading para estudar Filosofia – e tornar-se na primeira pessoa da família a ingressar no ensino superior – Penny trabalhou numa fábrica da farmacêutica Johnson & Johnson e foi assistente de um mágico da cidade. Passou ainda pela Marinha Real, sendo atualmente reserva no HMS King Alfred, ancorado na Whale Island de Portsmouth.

O interesse pela política surgiu durante uma pausa nos estudos universitários que aproveitou para trabalhar em hospitais e orfanatos, numa Roménia onde o regime comunista de Nicolae Ceausescu acabara de cair. Antes de se dedicar em exclusivo ao novo fascínio, porém, trabalhou numa conhecida associação de transportes, dirigiu um organismo da lotaria nacional do Reino Unido, criou o programa Veterans Reunited, presidiu ao Diabetes UK – o maior grupo de caridade britânico na área da investigação dos diabetes – e fundou uma empresa de comunicação.

O ingresso de Penny Mordaunt na política deu-se pelas portas do Partido Conservador adentro. Durante o consulado de John Major foi líder da juventude partidária tory e com William Hague ao leme do partido ascendeu a assessora de imprensa. O sucesso no cargo resultou num convite, em 2000, para a equipa de campanha do então candidato presidencial norte-americano George W. Bush – que foi aceite e renovado aquando da sua recandidatura em 2004. Em 2005 candidatou-se pela primeira vez à Câmara dos Comuns, pelo círculo eleitoral de Portsmouth North, mas foi derrotada pela concorrente do Partido Trabalhista. Nesse mesmo ano esteve envolvida na candidatura de David Willetts à liderança dos tories, mas esta acabou por abortar. Em 2010 foi finalmente eleita para a câmara baixa de Westminster e uns anos mais tarde integrou a equipa do ministério da Defesa, liderado pelo atual ministro das Finanças, Philip Hammond.

 

Um mergulho libertador

Por esta altura, a boa reputação tida no seu dentro do Partido Conservador não era propriamente acompanhada por um reconhecimento do grosso da população britânica. Essa apenas foi atingida em 2014, quando Penny decidiu entrar no Splash!, um célebre concurso de mergulhos para a piscina da ITV. Embora o seu salto de costas não tenha corrido propriamente bem, a participação no programa televisivo revelou ao grande público a faceta mais desinibida da deputada e ofereceu-lhe uma popularidade apenas tida, até aí, em Portsmouth.

Para além da aparição na televisão em fato-de-banho, Penny foi protagonista de outros episódios controversos, em parte resultantes da sua postura extrovertida e da aptidão de dizer o que bem lhe apetece sem se importar com as consequências. Como quando admitiu que um discurso seu, na Câmara dos Comuns, sobre as condições dos aviários britânicos, resultou de uma aposta dos tempos da Marinha, na qual prometeu dizer várias vezes a palavra ‘cock’ – traduzida para ‘galo’, em português, mas utilizada na língua inglesa como um termo de cariz sexual – em contexto político.

Convidada por David Cameron a assumir a pasta de secretária de Estado das Forças Armadas, em 2015, viu a sua relação com o ex-primeiro-ministro deteriorar-se durante a campanha para o referendo à Europa, muito por culpa de uma informação falsa que apregoou durante a mesma. Sob a bandeira do leave, Mordaunt argumentou, num programa televisivo, que o Reino Unido não tinha poderes para vetar uma eventual entrada da Turquia na União Europeia e foi acusada pelo seu próprio ‘chefe’ de estar a mentir: «Ela está completamente errada. O Reino Unido, ou qualquer outro Estado-membro, pode vetar [a entrada de] países. Isto é factual».

Com a pasta da Internacionalização e um orçamento anual de 13 mil milhões de libras (cerca de 14,5 mil milhões de euros) à sua disposição, Penny Mordaunt chega finalmente à ribalta da política britânica, depois de vários anos na sombra dos principais líderes tories e de um processo natural de ascensão travado na ressaca do referendo. Integrando um executivo frágil e pouco entusiasmado com a estratégia de Theresa May para o abandono da UE, a brexiteer já mostrou no passado que está disposta a defender a causa eurocética com unhas e dentes. E numa altura em que o Reino Unido se prepara para o maior mergulho da sua História recente, nada melhor que contar, nas fileiras do Governo, com alguém habituado a saltar de uma prancha. Mesmo que o fundo da piscina esteja lá muito ao longe.