A decisão do ministro da Saúde de transferir 70% da estrutura do Infarmed para o Porto, a partir de janeiro de 2019, é ilegal. E, por isso, os trabalhadores podem impugnar a sua transferência para a Invicta.
De acordo com a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, antes de tomar esta decisão, Adalberto Campos Fernandes teria obrigatoriamente de pedir um parecer prévio à comissão de trabalhadores – o que não aconteceu, garantiu ao i o Infarmed.
Desta forma, o ministro da Saúde violou a lei ao tomar a decisão sem ter pedido previamente qualquer parecer escrito, de acordo com alguns advogados ouvidos pelo i. O parecer dos trabalhadores “não é vinculativo” mas, se assim o entender, a comissão de trabalhadores “pode impugnar judicialmente a sua transferência para o Porto com o fundamento de ausência de parecer prévio”, disse ao i o advogado Filipe Azoia.
Tanto a presidente do Infarmed, Maria do Céu Machado, como os trabalhadores foram apanhados “completamente de surpresa” pela decisão do ministro da Saúde, que souberam horas antes do anúncio público, durante o encerramento de uma conferência.
Este é um cenário que a lei impede. Sempre que sejam feitas alterações a um organismo público, como é o caso do Infarmed, que resultem no “agravamento substancial das suas condições de trabalho” ou em “decisões suscetíveis de desencadear mudanças substanciais no plano da organização de trabalho ou dos contratos”, tem de ser feita a comunicação e um pedido obrigatório de um parecer aos trabalhadores, de acordo com o exposto no artigo 327.o da lei 35/2014.
Há 40 anos que o Infarmed está em Lisboa e, de acordo com o ministro, a transferência será feita de forma gradual entre janeiro de 2019 e os dois ou três anos seguintes. Em Lisboa, diz Campos Fernandes, ficará apenas a funcionar um “polo regional”. Ao i, o Ministério da Saúde não revela o custo desta medida, dizendo apenas que será “reduzida” tendo em consideração que “contará com a disponibilidade de instalações já existentes”. O i sabe que o edifício pensado para acolher o Infarmed é o Palácio dos CTT, na Avenida dos Aliados. Este era também um dos edifícios indicados pela candidatura do Porto para receber a Agência Europeia do Medicamento (EMA), mas cujas condições não satisfaziam os padrões estabelecidos pela EMA por questões de falta de segurança ou por deficiente rede de telecomunicações.
91% dos trabalhadores não vão para o Porto
Só ontem, um dia depois de ter anunciado a mudança do Infarmed para a Invicta, a comissão de trabalhadores foi recebida pela tutela.
Antes, os trabalhadores reuniram em plenário na sede da autoridade nacional do medicamento, durante o qual fizeram um inquérito cujos resultados foram enviados ainda ontem ao ministro da Saúde e ao Presidente da República. De acordo com a informação divulgada pelo Infarmed, 291 funcionários (91% do total de 321 trabalhadores inquiridos) já fizeram saber que não vão trabalhar para o Porto. Apenas 20 se mostraram disponíveis para se mudarem para a Invicta. E há 312 (97% dos inquiridos) que “não concordam com a decisão da mudança”.
Para a comissão de trabalhadores, estes resultados mostram “a inequívoca união” dos funcionários perante a situação “inesperada”, sobre a qual “não foi apresentada qualquer fundamentação técnica”.
Os funcionários apontam ainda cinco riscos com a transferência da autoridade do medicamento para a Invicta: a perda de quadros “altamente experientes”, “dificuldades de coordenação e articulação”, “perda de influência no contexto europeu”, “perda de competitividade” e “perda de reconhecimento internacional”.
Ao i, o gabinete de Adalberto Campos Fernandes garante que “os profissionais serão parte ativa no processo de decisão e de construção das soluções mais adequadas”. O mesmo já foi dito pelo primeiro-ministro, que afirmou haver tempo para fazer a mudança “a contento de todos”.
Questionado pelo i, o Ministério da Saúde assume que esta é uma decisão “claramente política” e que “esta opção tem vindo a ser ponderada ao longo do tempo”. No entanto, a tutela não esclarece desde quando está a ser analisada esta opção, que foi anunciada um dia depois de a Invicta ter sido rejeitada pelo Conselho de Assuntos Gerais da UE para acolher a Agência Europeia do Medicamento.
Recusando a ideia de “compensação” para o Porto pelo facto de não ter sido escolhido para acolher a EMA, o ministro sublinha ainda que esta é uma decisão que segue a linha de descentralização, defendida pelo governo, e que, “num contexto pós-Brexit”, o Infarmed “tem pela frente fortes expetativas de crescimento e de desenvolvimento da sua atividade a nível nacional e internacional”.