Atletas, bombeiros sapadores, agricultores ou até mesmo pastores da Serra da Estrela, em tronco nu ou com roupas provocantes, dão vida aos doze meses do ano para angariar receitas que revertem a favor de causas solidárias. Ainda há bem pouco tempo uma moda em desuso, os calendários com fotografias ousadas estão de regresso. Mas agora com outros propósitos. E, provavelmente já não servirão apenas para decorar oficinas automóveis e cafés onde páram os camionistas.
“Ao serviço da terra”
Filipe Figueiredo foi o mentor da iniciativa “Ao Serviço da Terra”, que juntou agricultores e pessoas ligadas à agricultura para criar um calendário diferente.
A ideia já era antiga, mas só agora teve pernas para andar. “Surgiu à volta de há três ou quatro anos atrás, após a iniciativa dos bombeiros de Setúbal. Como eu trabalho no ramo agrícola com alguns amigos, achámos que seria giro fazer um calendário com a agricultura”, explica o dinamizador do projeto ao i.
Foi a primeira vez que fez algo deste género. No final do ano passado conseguiu reunir todos os modelos e materiais necessários para começar a organizar o calendário.
Para esta causa contou com a ajuda de pessoas que já conhecia e com quem já tinha “mais confiança” e o projeto começou a ganhar forma.
A produção demorou cerca de oito meses. “Reunimo-nos no início do ano, o calendário foi fotografado em maio, estamos a falar de oito meses”, explica Filipe Figueiredo. Após longos meses de trabalho, só no mês passado, a 13 de outubro, é que o projeto viu a luz do dia.
A soma arrecadada irá reverter a favor de uma instituição relacionada com a saúde mental, a Recovery IPSS, uma instituição em Barcelos que dá “apoio a crianças e adolescentes com problemas a nível da saúde mental”.
Porquê esta causa? A ideia principal foi “unir duas fações que são muitas vezes vistas de forma diferente pela sociedade”, neste caso a agricultura e a saúde mental. Como explica o promotor do calendário, a saúde mental é uma área que “tem pouca importância e é pouco vista” no ramo da saúde. Assim, poderá adquirir outra visibilidade.
Além do caráter social, o calendário pretende dar à sociedade uma ideia diferente da atividade agrícola, que ainda é vista por muitos como “uma atividade envelhecida, praticada por pessoas que não têm formação”. Através deste projeto, os agricultores pretendem desmistificar a imagem que a sociedade formou acerca deles e de todas as pessoas ligadas a este ramo.
Cada calendário custa cinco euros e pode ser adquirida através de uma encomenda online feita na página “Ao Serviço da Terra – calendário agrícola solidário”.
Filipe acredita que o calendário a que ajudou a dar vida foi o ponto de partida para outros que se seguiram e espera que todos consigam ajudar as causas a que se propõem. “Tenho visto que depois da saída do nosso calendário muitos têm arrancado com essa iniciativa”, remata.
Valorizar o pastoreio
Outro calendário que fez correr muita tinta foi o dos pastores da Serra da Estrela. A iniciativa partiu de Liliana Carona, jornalista no jornal “Notícias de Gouveia” e correspondente da “Renascença” naquela zona.
“A ideia surge no sentido de valorizar o pastoreio, porque foram muitas as reportagens que fiz no terreno com pastores e vi as dificuldades deles. Então decidi fazer algo que os valorizasse”. Uma pesquisa revelou-lhe que nunca tinha sido feito um calendário com pastores descobriu e a ideia nasceu daí.
Convidou um fotojornalista e um gráfico a título de voluntariado e avançaram com o projeto.
“Desde o início que quis que os fundos revertessem para duas instituições: a Associação de Beneficência Popular de Gouveia (ABPG) e a Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Serra da Estrela (Ancose)”. No entanto, a ABPG abdicou da sua receita e ofereceu tudo aos pastores. “Todo este valor vai reverter para os 400 pastores que foram afetados pelos incêndios de outubro”, explica Liliana.
A preparação começou em junho, quando foi aberto um casting para escolher os modelos para as fotografias. “Inscreveram-se mais de trinta” pastores, mas os escolhidos tinham de preencher um requisito: o pastoreio tinha de ser a sua única profissão. Depois começaram as sessões fotográficas, que duraram três meses e em novembro lançaram o calendário, que teve um impacto impressionante, chegando aos meios de comunicação social estrangeiros, como é o caso do jornal espanhol “El Mundo” e a “Euronews”.
Liliana nunca tinha feito nada semelhante, mas já pondera em 2019 fazer outro calendário do género. “Se tudo correr bem e se encontrar 12 pastoras será a vez de homenagear as mulheres que andam com o gado”.
Cada calendário custa sete euros e meio e pode ser adquirido na redação do jornal “Notícias de Gouveia” e na Ancose ou através do Facebook do jornal, bastando mandar uma mensagem para que o um exemplar seja enviado através do correio.
Das crianças às queimaduras
Os Bombeiros de Setúbal é que já não são novatos nestas andanças. Depois de terem feito dois calendários, este ano decidiram despir a camisola, outra vez, para ajudar mais uma causa solidária, desta feita relacionada com pessoas que já sofreram algum tipo de queimaduras.
A decisão de lançar um calendário de 2018 – explica Tiago Silva, um dos organizadores da inciativa – ficou marcada pelo que “aconteceu este ano com os graves incêndios a nível nacional”. As receitas irão reverter para a Associação Nacional dos Amigos dos Queimados. O original calendário foi uma forma de alertar para o facto de em Portugal não existir uma “unidade pediátrica para crianças queimadas”.
A ideia brotou em 2014 quando os bombeiros de Setúbal fizeram um calendário para ajudar crianças desfavorecidas. Em 2015 decidiram repetir a dose, com um calendário sobre o cancro da mama no homem.
“Era uma ideia que eu e um colega meu já tínhamos há algum tempo, de lançar um calendário com bombeiros em tronco despedido”, para demonstrar que os bombeiros profissionais estão sempre dedicados à profissão. O principal objetivo foi captar a atenção das pessoas de forma a “apelar à causa solidária”
A produção, que contou com o apoio de alguns patrocinadores, demorou cerca de sete meses. A iniciativa começou a ser preparada em meados de maio, mas só em agosto é que as fotografias foram tiradas. Agora, em novembro, decidiram lançar o calendário.
Com um custo de cinco euros, quem quiser ajudar a associação só tem de se dirigir ao quartel dos Bombeiros Sapadores de Setúbal ou ao seu Facebook e contribuir para esta causa.
No estrangeiro
Apesar de a moda ter chegado agora a Portugal, no estrangeiro há instituições que promovem este tipo de iniciativas já há alguns anos.
É o caso do Clube de Remo da Universidade de Warmwick, no Reino Unido, que, desde 2009, produz um calendário solidário anual. O clube é conhecido como Warwick Rowers e a cada ano é feita uma produção com modelos que posam nus.
O dinheiro angariado vai para a equipa de remo, que desde 2012 apoia o Sport Allies, um programa criado pelo clube para ajudar jovens que sofrem de bullying, homofobia e baixa autoestima.
Lá fora, taxistas, polícias, bombeiros, atletas, equipas de futebol e muitas outras atividades e instituições têm trabalhado em produções arrojadas e fora do comum para angariarem fundos para causas solidárias. Por cá, a moda também parece ter pegado. Que o digam os pastores da Serra da Estrela.