O desaparecimento do submarino argentino ARA San Juan, com 44 tripulantes a bordo, a 15 de novembro, relembrou a muitos a tragédia do submarino russo Kursk, de há 17 anos, quando 118 marinheiros pereceram no fundo do mar.
Considerado hoje uma das maiores tragédias subaquáticas da História, o submarino era visto pela Marinha russa como um símbolo de orgulho nacional, depois de anos de instabilidade política e económica em que a posição da Rússia na política internacional perdeu a chama que outrora teve.
As comparações entre o desaparecimento do San Juan e o drama do Kursk têm as suas limitações, mas demonstram como as autoridades dos respetivos Estados reagiram e lidaram com as situações, inclusive com os familiares dos tripulantes.
A tragédia do Kursk
Viviam-se os primeiros meses do novo milénio e Vladimir Putin, recém–eleito presidente da Rússia, prometia restaurar a grandeza de outrora do país na política internacional.
Batizado Kursk em homenagem à maior batalha de tanques da História, na ii Guerra Mundial, entre os nazis e os soviéticos, o submarino nuclear K-141 era considerado uma máquina de guerra indestrutível e sem paralelo, estando equipado com 24 mísseis de cruzeiro Granit. Tinha 145 metros de comprimento e quase 20 mil toneladas de peso.
A 12 de agosto de 2000, e enquanto participava num exercício militar naval, o Kursk sofreu uma explosão no compartimento de armas, desaparecendo no mar de Barents, no oceano Ártico, com os seus 118 marinheiros a bordo. Na madrugada de 13 de agosto, o submergível foi localizado a 108 metros de profundidade, mas a tarefa de resgatar a tripulação levantou dificuldades.
Durante uma semana, o governo russo encetou esforços para resgatar uma parte da tripulação que, apesar da explosão e da degradação das condições, conseguiu sobreviver. No total eram 23 os sobreviventes à espera de serem resgatados, desesperando a cada hora que passava.
Sabendo do incidente, as autoridades russas adiaram o mais que puderam a divulgação do sucedido, deixando os familiares dos tripulantes sem informações – acusações similares à que os familiares das vítimas do San Juan têm dirigido às autoridades argentinas. Se a própria ocultação das informações já era, por si só, suficiente para enfurecer os familiares, o governo russo recusou ainda a ajuda de outros Estados nas operações de resgate – contrastando com a posição dos argentinos, que aceitaram a ajuda do Reino Unido, Estados Unidos, Chile, Brasil, Colômbia, Uruguai e Peru. A recusa teve por base tanto o orgulho nacional russo como o facto de o Kursk ser um submarino nuclear e possuir tecnologia secreta. O governo russo receava que, no desenrolar das operações, os outros Estados aproveitassem a oportunidade para acederem a segredos militares russos.
A recusa de auxílio, a indecisão e a demora no avanço das operações deixaram as autoridades russas com uma “imagem de incompetência”, segundo a imprensa russa e internacional da altura. Quando, mais de uma semana depois, as equipas de resgate russas conseguiram alcançar a tripulação, depararam-se com um cenário de morte. Encontraram uma nota escrita de forma apressada por um dos tripulantes, Dimitri Koleniskov, entre as cartas dirigidas aos familiares de outros marinheiros. “13h15. Todo o pessoal dos compartimentos seis, sete e oito passou para o nove. Somos 23. Tomámos esta decisão por causa do acidente. Ninguém pode subir”, lia-se na nota. Ao longo das operações foram encontrados os corpos de 115 tripulantes, sendo três considerados irrecuperáveis.
A construção da imagem de grandeza russa que Putin desejava recriar foi temporariamente gorada. Nesse mesmo ano, a Marinha russa teve de lidar com mais dois acidentes envolvendo submarinos, a que se juntou, em 2003, um terceiro com outro submarino nuclear, o K-159, causando ferimentos a 23 tripulantes.
Nos anos seguintes, a tragédia do Kursk simbolizou o falhanço do Estado na proteção dos seus militares e, consequentemente, das suas próprias forças armadas, algo que, desde esse momento, Putin tem tentado apagar dos anais da História. Para o efeito, o então procurador-geral da Rússia, Vladimir Ustinov, publicou, apenas um ano depois da tragédia, um livro intitulado “Kursk”, a defender a versão oficial do sucedido. Contudo, as investigações oficiais concluíram que um torpedo teria explodido no compartimento de armas, mas sem conseguirem explicar o porquê de tal ter acontecido. Hoje, ainda existem dúvidas em torno do maior desastre subaquático da História.
A vida num submarino Quando se imagina como será a vida a bordo de um submarino, é quase impossível deixar de imaginar espaços fechados, sobrelotados e a dezenas de metros abaixo da linha de água. Essa imagem é real, mas há muito mais que se lhe diga.
As tripulações de submarinos, compostas geralmente por voluntários, passam meses seguidos em missões em águas nacionais e internacionais, limitando o contacto com os seus familiares. Quando o submarino emerge é principalmente para comunicar com o exterior – sempre que um submarino envia um sinal é facilmente detetado, algo que contradiz a sua própria razão de existir – e para a tripulação olhar um pouco para a luz do sol, algo que se torna, ao longo de dias e dias debaixo de água, um raro prazer.
O dia-a-dia dos marinheiros deixa de ser regido pela luz solar, não fossem a maioria dos dias passados debaixo de água. As rotinas são marcadas pelas horas dos respetivos turnos, mas também pelos horários das principais refeições do dia. A tripulação é dividida, conforme as suas capacidades, em turnos de oito horas, o que faz com que haja sempre alguém a dormir nos pequenos e apertados beliches. Os marinheiros têm de ter cuidados redobrados para não despertarem os seus camaradas, evitando, por exemplo, bater com as portas. Os banhos – quando existem – são limitados a cinco minutos por o tanque de água reciclada ser limitado, e se um tripulante se demorar, isso é considerado desrespeitoso para com os restantes.
O treino da tripulação é sempre uma das principais preocupações do comandante. Simulações, simulações e mais simulações de crises são feitas para preparar a tripulação para todas as eventualidades – um incêndio, uma inundação, uma explosão. Os níveis de oxigénio são baixos por bastar uma fagulha para deflagrarem incêndios e explosões, o que dificulta a respiração dos marinheiros que, com o tempo, lá se vão habituando. O cheiro a óleo é avassalador – não estivessem numa enorme máquina de guerra –, impregnado a roupa.