Poucas categorias refletem tão bem os hábitos do consumidor como o retalho alimentar. Um dos casos mais curiosos que conheço é o de um pequeno supermercado na aldeia da Comporta, o Gomes, onde encontramos além da previsível oferta de frescos, muitos de produção local, uma enorme quantidade de produtos dignos de uma loja gourmet da baixa de uma capital europeia. A oferta de molhos, especiarias e até algas para sushi é qualquer coisa de extraordinário, ocupando boa parte do espaço disponível nos limitadíssimos lineares do Gomes.
É fácil perceber que o Gomes depende muito da sua capacidade de atrair um público muito específico, não é a população autóctone que consome boa parte do que ali se vende (mesmo que quisesse, certamente não teria capacidade financeira para o fazer). Uns quilómetros depois, encontramos a mesma marca Gomes, com uma oferta completamente diferente.
O sucesso dos negócios de retalho passa, em grande parte, pela capacidade de conhecer o público-alvo e de ter uma oferta muito adaptada às suas necessidades, antecipando-as sempre que possível. Duvido que o Gomes tenha um cliente certo para comprar as garrafas de Pêra Manca que estão na prateleira, mas certamente sabe que terá várias pessoas a procurar o melhor vinho que o dinheiro possa comprar, gostos à parte.
A evolução do retalho pauta-se por muito mais do que inovação de produtos, promoções ou eficiência logística da operação. São tudo aspetos essenciais, mas que o consumidor vai avaliar em função da experiência que obtém desde que entra na loja até à refeição que serve ou à fralda que muda. Hoje tendemos a fazer compras com maior frequência, exigir melhor seleção de produtos frescos e, inevitavelmente a usar o espaço de compras para outros fins.
O conceito de terceiro espaço, desenvolvido pelo sociólogo Ray Oldenberg, resume esta tendência. Se entendermos como primeiro espaço a casa e segundo o trabalho, os locais onde passamos mais tempo, o retalho como terceiro espaço surge imediatamente a seguir. Os espaços de retalho, principalmente supermercados e centros comerciais, desempenham um papel fundamental na dinâmica social das populações. Funcionam como o local onde as pessoas se encontram e socializam, onde consomem cultura e entretenimento, onde procuram experiências que transcendem, em muito, a lógica de conveniência destes espaços ou o preço do quilo de arroz.
Lembro-me de ouvir Alexandre Soares dos Santos, a propósito da evolução dos formatos de distribuição, dizer que as lojas precisam de oferecer espaços onde as pessoas possam estar a confraternizar, porque à falta de outras infraestruturas é no espaço comercial que as pessoas acabam por se encontrar. De facto, as zonas de refeições dos centros comerciais têm cada vez mais famílias ao fim de semana e as cafetarias dos supermercados raramente estão vazias.
É provável que este seja o principal ponto de desenvolvimento e de diferenciação dos espaços de retalho nos próximos anos, que as marcas compitam tanto pelas características do produto como pela oferta de entretenimento dos espaços onde são comercializadas. Até porque quanto mais tempo passamos numa loja maior a probabilidade de comprar.
Há marcas que já trabalham para se afirmarem como o terceiro espaço há muito, provavelmente desde sempre. Casos como o do Starbucks e, mais recentemente, da Padaria Portuguesa, que se esforçam por criar ambientes confortáveis para as pessoas ficarem a conversar, trabalhar ou a navegar pela atualidade nas redes sociais. São espaços confortáveis, onde o wifi é gratuito e há produtos para vários tipos de necessidade.
Recentemente entrei num café ao final do dia. Na montra, mais migalhas do que bolos, as máquinas já preparadas para o dia seguinte. Reparo no azulejo na parede com a simpática mensagem «Nesta casa vá entrando, vá pedindo, vá pagando, vá saindo». E assim fiz, certo que ali nunca será o meu terceiro espaço.
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media