Susana Ribeiro já recusou comer uma feijoada comunitária no Intendente quando percebeu que ia ser servida em pratos de plástico. Também já disse que preferia um copo de água da torneira quando o funcionário do restaurante disse que não tinha garrafas de vidro. No Santo António, leva um copo de alumínio que vai enchendo ao longo da noite. “Eu não é só no Santo António, levo sempre que saio à noite”, remata Graça, que já chegou a ter desconto na imperial porque o seu copo leva um pouco menos que uma imperial de 25 cl.
Claro que apanharam quem se recusasse a servir cerveja sem ser nos copos disponíveis, quem estranhasse servir água num copo e não em garrafa ou ainda mais quando Rita Baptista, que se junta à conversa, explica que o lixo que produz em casa ou vai para reciclagem ou acaba no caixote de compostagem que tem na cozinha e no qual as minhocas transformam os resíduos em adubo.
Estes são comportamentos que podem ser surpresa para muitos, mas não para uma sala cheia de pessoas empenhadas em reduzir a sua pegada ecológica e cuja vontade se nota ainda antes da partilha da experiência em viva voz. No workshop “Uso do descartável e excesso de embalagem”, promovido pela associação ambientalista Zero, ninguém saca da garrafa de água da mochila ou do pacote de bolachas [feito de plástico, como sempre] para o lanche. A água vem em cantis reutilizáveis, quem arrisca a petiscar opta por fruta e Susana Fonseca, que acompanha as áreas de sociedades sustentáveis e novas formas de economia na Zero, nem precisa de distribuir folhas para apontamentos: cada um trouxe o seu caderno.
Numa espécie de mesa-redonda debatem-se novas formas de evitar desperdício, isto depois de a Zero apresentar o resultado de um estudo com resultados que, apesar de preocupantes, não chocam quem lida com a temática no dia-a-dia. “Foi mais uma forma de chamar a atenção para práticas que se tornam banais mas que, no conjunto, têm um impacto muito forte”, explica Susana Fonseca.
Num conjunto de 75 inquéritos feitos a 24 estabelecimentos – cafés e restaurantes – em centros comerciais, foi possível perceber que uma grande percentagem dos utensílios usados para servir refeições e bebidas continuam a ser descartáveis. Se, nos pratos, essa percentagem é de 33% e nos talheres de 34%, nos copos chega aos 79%. As palhinhas são entregues em 44% dos casos, mesmo que não seja pedido pelo cliente, e em 75% dos casos o tabuleiro fornecido vem já com base de papel.
Por muitas ideias que se lancem para a mesa, o denominador comum é um: a ação. “Se eu for restaurante e recusar o papel do tabuleiro, se for a um café e recusar a palhinha para o sumo ou se for a uma farmácia e disser que não preciso de um saco para guardar um medicamento minúsculo, talvez o comerciante comece a pôr em causa os métodos de distribuição”, explica Susana Monteiro.
Grupo a crescer Se, quando Ana Milhazes Martins decidiu começar a reduzir o lixo que produzia, se via obrigada a fazer vários quilómetros para comprar produtos a granel, agora, só no Porto, onde vive, existem 19 lojas.
Essa foi uma das primeiras dificuldades que sentiu quando decidiu abraçar um estilo de vida “minimalista, simples e vegan”, como descreve no seu blogue “Ana, Go Slowly”, no qual partilha, entre outras coisas, listas de lojas com práticas sustentáveis, dicas para conseguir viver com menos bens materiais, restaurantes de comida vegan ou espaços que pratiquem o desperdício zero. E foi exatamente esta necessidade de partilha que a fez criar também um grupo no Facebook sobre combate ao desperdício que num ano ganhou mais de cinco mil membros.
Todos os dias são partilhadas notícias sobre o tema, eventos e workshops, questões de quem está a começar agora a combater o desperdício ou dicas de quem já é profissional. Por exemplo, um dos membros do grupo Zero Waste Portugal informou ontem que no Starbuks há desconto para quem levar o seu próprio copo. Por um capuccino sem lactose pagou 2,80, menos 40 cêntimos que o preço original.
Este seria apenas um bónus para quem, como Ana, já não sai de casa sem o seu kit, que inclui uma palhinha, um copo, um guardanapo de pano e talheres reutilizáveis. “É mesmo fácil produzir menos lixo”, garante, agora que quase nem precisa de caixote para o seu. A mudança mais radical deu-se quando, apesar de já reciclar há muitos anos, olhou para o caixote do lixo orgânico e percebeu que podia fazer mais. As toalhitas que todos os dias usava para limpar as patas dos cães quando voltavam da rua foram trocadas por panos feitos com t-shirts velhas. Já as cascas dos alimentos e os poucos restos de comida que sobram em casa entrega aos agricultores a quem compra os cabazes de frutas e legumes, numa espécie de dois-em-um da sustentabilidade.