Grigory Aleksandrovich Potemkin nasceu em 1739, na Rússia. Foi um nobre próximo da czarina Catarina, tratando-se do mesmo Potemkin que deu o nome ao couraçado tornado célebre pela revolta naval de 1905 e pelo filme homónimo de Eisenstein. Não era um estadista convencional. Foi, aliás, amante da czarina e por ela nomeado primeiro-ministro.
Dotado de uma notável capacidade de sedução – política e não só -, Potemkin juntou vasto currículo no alargar do império que serviu. Anexou a Crimeia, fundou um serviço secreto e uma marinha para o Mar Negro, e governou quase toda a região a que hoje chamamos Ucrânia através de uma megalomania sobejamente disfarçada. Catarina foi ‘a Grande’, Potemkin foi o príncipe dessa grandeza. A amizade entre ambos não quebrou após fim de caso, o que não deixa de ser outro feito digno de nota. Trocaram correspondência romântica.
Durante esse tempo – numa viagem da czarina ao sul ucraniano, em inspeção à governação do seu nomeado -, Potemkin esmerou-se no lustro. Foi aí que, além do couraçado e da excentricidade, o governante se inscreveu nos pergaminhos por razão de foro talvez mais fenomenal. Catarina e a corte passavam vistoria a bordo de navio imperial, descendo o rio Dnipro, e Potemkin fez da viagem um sucesso, mandando construir belas fachadas de aldeias litorais que atrás não tinham mais que ruína ou ar, mas que deliciavam os olhos da czarina. Alega-se até que camponeses foram cuidadosamente colocados como figurantes. Em pleno século XVIII, assistia-se à primeira grande manobra de ‘spin’ sem consciência da mesma. Hoje, chamar-lhe-íamos política doméstica.
Foi precisamente de Grigory Aleksandrovich Potemkin – e da lenda adjacente – que me lembrei quando li a notícia do Carlos Diogo Santos no SOL da semana passada. O primeiro-ministro, desta vez o nosso, foi protagonista de um conselho de ministros aberto a perguntas de cidadãos, tendo estes sido pagos (pela tarefa, pelo alojamento e pela deslocação) com dinheiro do governo que questionariam. Não é bem uma fachada à Potemkin, mas há um paralelo na encenação a que António Costa não é estranho. Anunciar a deslocação do Infarmed para o Porto e depois desdizê-la como mera «intenção» cabe igualmente no lote de ‘potemkices’ do atual Governo. Apelar a «consensos» e ao mesmo tempo boicotar qualquer iniciativa parlamentar da Oposição é outro exemplo. As cativações como estratégia orçamental, mais do que uma aldeia na margem do Dnipro, são um país pintado para Bruxelas também fazer a sua imperial inspeção. Tudo bonito, tudo vazio.
Como o fabulado Potemkin, Costa ilude para governar. E é bom nisso. Tem também uma Catarina, embora essa possa vir a ser separação menos amigável que a dos antigos, e responde a um czar de glória menos dependente, que é Marcelo Rebelo de Sousa. Apesar dos recentes aniversários impelirem a alguma contenção no que diz respeito a alegorias soviéticas, esta pareceu-me apropriada. Afinal, ainda ninguém discursou em russo na Assembleia.