Já foi jornalista, já trabalhou com refugiados e já representou a Europa na Organização Mundial do Turismo. E foi exatamente com a junção de todos esses trabalhos que percebeu que podia fazer mais por cada um dos países pelos quais passou. Luigi Cabrini está à frente do Conselho Global de Turismo Sustentável (GSTC na sigla em inglês), uma associação que estabelece critérios aos quais os países têm de responder caso queiram entrar na lista de destinos sustentáveis. Numa altura em que Portugal bate recordes de turismo, Luigi está hoje e amanhã em Ponta Delgada, para a conferência “Açores 2017: no rumo do turismo sustentável”. São dois dias de debate para que estas nove ilhas continuem a receber cada vez mais visitantes – só no ano passado, o crescimento foi de 21% – , sem perder aquilo que as torna únicas.
Quando falamos de turismo sustentável, falamos exatamente de quê?
É um tipo de turismo que tem em consideração todos os possíveis impactos sociais, económicos e ambientais, atuais e futuros. As diretrizes do turismo sustentável são aplicáveis a todas as formas de turismo e em todos os tipos de destino, incluindo o turismo de massas e os vários nichos de mercado turístico.
Falamos aqui de um novo conceito de turismo?
Não é propriamente uma coisa nova, nem uma opção. É mais uma necessidade inevitável, considerando o aumento do turismo em todo o mundo. O ano passado tivemos 1245 milhões de turistas internacionais e espera-se que em 2030 este número chegue aos 1800 milhões. Face a estes números, é importante que a sustentabilidade das práticas seja inerente a todos os tipos de turismo.
Como sabe que estamos perante um destino sustentável?
O Conselho Global de Turismo Sustentável considera que um destino é sustentável quando responde aos 41 critérios que a organização criou nos últimos anos.
Não quero que me diga os 41, mas pode dar-me alguns exemplos?
Os setores público e privado têm de estar coordenados, tem de haver um cuidado com a sustentabilidade do país nas épocas baixas do turismo, é preciso sensibilizar pessoas e empresas para a questão das mudanças climáticas, tem de haver um sistema de prevenção e resposta ao crime. E podíamos continuar.
A sustentabilidade vai muito além da preocupação com o ambiente.
Completamente. Estes critérios não são apenas sobre os impactos ambientais, mas têm agregados também os benefícios económicos para a comunidade. Estamos a falar sobre segurança, apoio à comunidade, apoio a empreendedores do país, incentivo ao comércio justo, mas temos também em consideração o número e o comportamento dos visitantes, assim como a proteção da cultura e das tradições do país. O nosso conceito de sustentabilidade vai além do ambiente e baseia-se nos pilares do desenvolvimento sustentável – ambientais, claro, mas também socioeconómicos e culturais.
Quando começou o turismo a estar relacionado com sustentabilidade?
A primeira noção de turismo sustentável nasceu em 1992, quando as Nações Unidas criaram a chamada Declaração do Rio para promover o desenvolvimento sustentável, num esforço internacional. Isto foi há 25 anos, numa altura em que o turismo começava a ser reconhecido como um setor que podia incrementar o desenvolvimento dos países. Em 2000, passou a fazer parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, adotados para sintetizar acordos internacionais alcançados em várias cúpulas mundiais ao longo dos anos 90. Entretanto, muita coisa foi feita, mas acredito que este tenha sido um ano especial. O culminar deste reconhecimento acontece quando 2017 é declarado Ano Internacional do Turismo Sustentável.
Falando agora dos Açores: há uns anos, não era sequer considerado um destino turístico. Atualmente, o número de turistas cresce a cada ano. Há formas de acompanhar este crescimento de forma sustentável?
Acredito que os Açores têm o que é preciso para se tornarem um destino sustentável. A natureza e tudo o que dela se pode aproveitar é um ponto a favor para as ilhas.
O turismo de natureza é um setor em crescimento?
Muito, e é por isso que acredito que os Açores terão um crescimento sustentável a nível turístico. Primeiro, porque o tipo de turismo que oferecem e que está ligado à natureza, a atividades outdoor e ao bem-estar, está a crescer. E depois porque esse tipo de turismo atrai pessoas que já têm normalmente uma sensibilidade especial para as questões ligadas à sustentabilidade. Acho até que atrair este tipo de turismo deve ser uma das estratégias das ilhas para o futuro.
E Portugal como um todo está no caminho do turismo sustentável?
Há uma busca incessante de turismo ligado à natureza e uma procura de novos destinos. Portugal só tem a ganhar com isso. Aliás, atualmente, Portugal é considerado um dos mais interessantes destinos pela variedade que tem para oferecer.
Praia, campo e cidade?
Sim. Ora veja. Têm cidades interessantíssimas, como Lisboa ou Coimbra. Têm as rotas do vinho, têm um clima extraordinário. É um destino em crescimento e não é por acaso que já vim várias vezes a Portugal para eventos ligados ao turismo sustentável. Tenho-me apercebido de que a autoridade que regula o turismo está sensível à sustentabilidade do setor, e é esse o caminho a seguir.
Portugal e os Açores, em particular, têm o que é preciso para serem considerados destinos sustentáveis?
Um dos maiores riscos no desenvolvimento do turismo é não haver uma estratégia preparada. Foi por isso que o GSTC criou aqueles critérios a seguir e instigamos cada país a pensar global, ou seja, a pensar em coisas como os impactos do turismo sazonal ou até as alterações climáticas. Num arquipélago como os Açores, a força das alterações climáticas pode ter um impacto negativo muito forte. Os riscos podem ser minimizados se houver mecanismos de resposta.
Esses mecanismos existem?
Temos dado conta de um grande interesse, tanto público como privado, de desenvolver uma estratégia sustentável, e por isso acredito que os riscos sejam minimizados.
O Conselho Global de Turismo Sustentável tem a função de controlo do trabalho de cada país?
O que nós fazemos é estabelecer padrões de referência que sejam reconhecidos por todos os países. Queremos sobretudo fortalecer a importância dos pilares do turismo sustentável, que passam pelo tal plano que cada país deve arquitetar, mas também pela maximização das vantagens sociais e económicas aliadas à redução dos impactos negativos no património cultural e ambiental.
São esses critérios que vos distinguem das outras associações ambientais?
Exatamente. Sentimos que havia necessidade de criar critérios no turismo. Para isso ouvimos muitos profissionais ligados à área e analisámos resultados dos estudos feitos sobre o tema.
O Luigi começou como jornalista. Como passou a presidente de uma organização ligada à sustentabilidade?
O conselho foi criado em 2010, mas o grupo de pessoas que estão por detrás do projeto já trabalham juntas desde 2007. Eu sou uma dessas pessoas. É verdade que comecei como jornalista freelancer em Roma mas, a partir daí, o meu caminho mudou. Fui responsável pelos programas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados em países como o México, Somália, Paquistão, Polónia e Espanha. Isso aconteceu numa altura em que o conceito de turismo estava a ficar cada vez mais forte, mais consolidado, e percebi que poderia juntar a este crescimento a minha experiência de viver em cada um destes países.
Percebeu aí o poder do turismo?
Percebi que o turismo pode ser usado para tirar um país da pobreza ou pode fazer com que o dinheiro chegue a regiões habitualmente esquecidas. Em 2002 passei a representar a Europa na Organização Mundial do Turismo e desde 2014 que estou à frente do GSTC. Juntar-me ao setor do turismo aconteceu de uma forma muito natural na minha vida e estou muito satisfeito com as minhas escolhas.