“É tempo de reconhecer oficialmente Jerusalém como capital de Israel.” Esta foi a mensagem principal do muito aguardado discurso do presidente norte-americano, Donald Trump. Numa intervenção de mais de dez minutos, o chefe de Estado defendeu que a sua decisão “marca o início de uma nova abordagem ao conflito entre Israel e os palestinianos” por entender que “todos os desafios exigem novas abordagens”.
Sublinhando que a decisão da sua administração contrasta com a de todos os “anteriores presidentes” que prometeram nas campanhas mas, depois, “recusaram reconhecer Jerusalém como capital de Israel”, Trump é o primeiro a fazê-lo desde a fundação do Estado de Israel, em 1948.
Para Trump, esta decisão representa um “compromisso para ajudar a facilitar um acordo de paz que seja aceitável para ambos os lados”. Contudo, e ao longo da sua intervenção, apenas dirigiu palavras concretas aos israelitas, defendendo que Israel “é uma nação soberana e, como tal, tem o direito de determinar qual a sua capital soberana, e reconhecê-lo como facto é uma condição necessária para se alcançar a paz”.
E se o presente não bastasse, o presidente pegou ainda na História para se justificar: “Há 70 anos que Israel fez de Jerusalém a sua capital, capital que o povo judeu estabeleceu em tempos antigos, e hoje Jerusalém é a semente da moderna Israel”, disse o presidente.
O presidente dos EUA não se ficou pelo simbolismo da declaração e anunciou que dará ordens ao Departamento de Estado para começar a construir a embaixada norte-americana em Jerusalém Ocidental, algo que, segundo analistas, poderá levar cerca de três anos.
“Obviamente que haverá desentendimentos e dissidências em relação a este anúncio, mas estamos confiantes de que, no final, à medida que formos trabalhando, acabaremos por alcançar um lugar de grande compreensão e cooperação”, assegurou Trump.
A esperança não é de todo consensual entre a comunidade internacional e os especialistas no conflito israelo-palestiniano. “Há analistas que defendem que esta é uma forma de pressionar [os palestinianos] e de obter contrapartidas da parte de Israel. Se a ideia é essa, então estão perfeitamente mal informados”, afirmou, em declarações ao i, a jornalista Lumena Raposo, especialista no conflito israelo-palestiniano. “Não conhecem a região, não conhecem os palestinianos, não conhecem os países muçulmanos que estão prontos a ter uma palavra a dizer na região”, explicou.
Israel e Palestina
As reações de israelitas e palestinianos não poderiam ser mais discrepantes. Para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a declaração de Trump não é mais nem menos que o “reconhecimento” que a “história e identidade” do seu país merecem, “especialmente hoje”. Já para o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, a decisão norte-americana apenas “irá complicar as coisas”, por colocar mais um “obstáculo ao processo de paz” ou, porventura, “acabar” com ele.
Por sua vez, o Hamas reafirmou o que sempre disse e manteve: “Os Estados Unidos não são nem nunca foram um intermediador honesto, preocupado com o nosso povo.” E deixou um aviso claro: “O povo palestiniano não irá deixar esta conspiração passar, e as suas opções para defender a sua terra e os seus locais sagrados mantêm-se em aberto.” O aviso foi dado, resta saber como irá agora materializar-se.
“A situação na região é extremamente tensa, com todas as coisas que têm acontecido. Se Donald Trump tem a veleidade de avançar com uma coisa destas, então será bom começarmos a preparar-nos porque a resposta virá logo a seguir”, afirmou Lumena Raposo – uma resposta que, segundo a especialista, “não será só uma questão entre palestinianos e israelitas, mas entre muçulmanos e o Ocidente, mais propriamente os norte-americanos.”
O Departamento de Estado dos EUA já deu ordens às suas embaixadas para tomarem medidas de segurança acrescidas, uma medida que tem em conta que a possível violência não se limitará a um espaço geográfico específico. “Quando se fala de violência fora de Israel e Palestina, temos de ter em conta que a decisão de Donald Trump não vai apenas beliscar os palestinianos, mas também todos aqueles muçulmanos que não aceitam que aquela zona – que consideram religiosamente deles – seja de repente transformada ou vá integrar a capital de Israel”, acrescentou a jornalista.
Trump sob fogo
A administração norte-americana tem ficado cada vez mais isolada em alguns temas internacionais – Acordo de Paris, abandono de negociações multilaterais de comércio na Europa e Ásia e acordo nuclear com o Irão – e esta questão de Jerusalém parece não ser exceção. Em tom desafiador, o presidente norte-americano colocou-se, mais uma vez, no lado oposto ao da generalidade da comunidade internacional, que tem reagido quase em uníssono nas críticas à decisão norte-americana, ainda antes de esta ter sido oficialmente anunciada.
“O estatuto final de Jerusalém como futura capital de ambos os Estados tem de ser estabelecido mediante negociações que cumpram as aspirações das duas partes”, podia ler-se no comunicado do Serviço Europeu para a Ação Externa, do qual Federica Mogherini é a responsável.
“Não posso silenciar as minhas profundas preocupações sobre a situação que emergiu nos últimos dias. Ao mesmo tempo, apelo fortemente ao respeito pelo statu quo da cidade, de acordo com as resoluções das Nações Unidas”, disse, por seu lado, o Papa Francisco. Também as Nações Unidas, pela voz de Stephane Bujarric, afirmaram que “sempre tratámos Jerusalém como um assunto que deve ser resolvido por meio de negociações diretas entre as duas partes com base nas resoluções do Conselho de Segurança”.
Por sua vez, o primeiro-ministro turco, Binali Yildrim, afirmou que “Jerusalém é um assunto muito delicado no mundo muçulmano”, alertando para as “consequências irreversíveis” que tal decisão acarretará. O rei Salman da Arábia Saudita falou com Trump por telefone para lhe dizer que “qualquer declaração sobre o estatuto de Jerusalém antes de se alcançar um acordo final irá ferir qualquer processo de paz e fazer escalar a tensão na região”. Quanto à Liga Árabe, veio questionar a imparcialidade dos EUA no processo de paz, acusando-os de já não serem um “mediador de confiança”.
Passado
Fez este ano meio século que as forças armadas israelitas conquistaram Jerusalém e ocuparam partes da Cisjordânia, depois da Guerra dos Seis Dias. E daqui a dois dias assinalam-se 30 anos sobre a Primeira Intifada palestiniana, que começou a 9 de dezembro de 1987 – todo um lado simbólico que poderá acirrar ainda mais os ânimos.