O discurso de Martin Schulz, ontem, no congresso do partido socialista alemão (SPD) causou um terramoto político, não pela sua consequência prática, mas pelas reações que obteve. O líder do segundo partido mais votado nas últimas eleições germânicas (com cerca de 21% dos votos) pediu a conversão da União Europeia, na qual já foi presidente do Parlamento Europeu, numa lógica federalista de Estados Unidos da Europa até 2025 – um ano a seguir ao prazo que Emmanuel Macron marcou como linha reformista para a Europa no seu discurso na Sorbonne, em setembro.
Schulz voltaria a reafirmar esses tópicos nas redes sociais, citando parágrafos da sua intervenção. “Quero um novo tratado constitucional para estabelecer os Estados Unidos da Europa”, escreveu. Um “rascunho” seria feito “em cooperação próxima com o povo e com a sociedade civil”. Os “resultados”, propõe Schulz, “seriam depois submetidos a todos os Estados-membros” e “qualquer Estado que não ratificasse este tratado sairia automaticamente da União Europeia”. Nigel Farage, eurocético britânico, ironizou de volta: “Se é este o caminho que vão seguir, poderá ser uma União Europeia bem pequena!”
Portugal distante do federalismo
Ouvidos pelo i, os partidos políticos portugueses afastaram-se da proposta do alemão. Da esquerda à direita, a distância para um projeto federalista para a Europa foi marcada. Do lado do partido do governo (PS), o deputado Vitalino Canas considera que o defendido por Martin Schulz “foi ligeiramente fora de tom”. “É uma ideia que não merece ser olhada como uma opção séria”, vaticinou o parlamentar socialista. “A opção federalista está muito mais distante do que já esteve no passado. É claro que existem federalistas na Europa e também em Portugal, mas não vale a pena andarmos de um lado para o outro. Não há contexto político interno ou na Europa para a opção federalista: em Portugal, ainda é muito minoritário, pouco viável. Interessante do ponto de visto teórico e académico, mas pouco viável”, conclui, em declarações ao i, salientando a saída do Reino Unido, a crise migratória e algum ceticismo da Europa de leste em relação ao projeto europeu como entraves à ideia de Schulz.
O PSD também descarta o discurso do líder do SPD, considerando as declarações “disparatadas”. “Caso tivessem alguma sequência, provocariam a maior fratura na história da União Europeia”, diz ao i o deputado Miguel Morgado, vice-presidente do grupo parlamentar. “Vêm dar ainda mais razão ao PSD por ter insistido em linhas vermelhas para a PESCO”, lembra, na medida em que os sociais-democratas exigiram ao governo que rejeitasse qualquer desenvolvimento da Cooperação Estruturada Permanente de defesa europeia para um exército comum europeu.
Contra os tratados
O CDS, na voz de Pedro Mota Soares, lembra que a proposta de Schulz incorre em ilegalidade de acordo com os tratados europeus. “O federalismo é uma ideia que já morreu muitas vezes. Esta ideia, que é da responsabilidade um socialista alemão (Martin Schulz), não deixa de ser ligeiramente tonta. A exclusão automática de Estados-membros vai contra os tratados”, afirma o centrista. “Na situação europeia de hoje – com o Brexit, a crise humanitária e migratória dos refugiados e a memória de uma solidariedade institucional em falta durante a crise das dívidas soberanas –, é necessário consolidar a Europa antes de sequer pensar em ‘mais Europa’. Há prioridades já identificadas mas por cumprir, nomeadamente na arquitetura da zona euro: capacitar o sistema financeiro para não tremer em caso de sobressalto financeiro”, considera, em jeito de conclusão e ainda ao i.
Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda, também aponta a “formulação incorreta da proposta”. “Qualquer que seja o destino da Europa, não depende da vontade exclusiva do sr. Schulz. Depende da vontade dos povos e dos governos europeus e não é uma fuga para a frente que resolve o problema. Schulz teve a sua oportunidade enquanto presidente do Parlamento Europeu e não fez nada fez nesse sentido”, relembra. “Não é agora e à margem das instituições e da vontade popular que tem condições para impor o que seja”, remata a antiga candidata presidencial.
Schulz o reformista vs. Schulz o sobrevivente
Por Bruxelas, ao que o i apurou, o discurso de Schulz é lido mais como uma manobra de sobrevivência interna – “até porque nunca falou disto na campanha eleitoral deste ano” – do que como algo a levar em conta na escala europeia. “É um toca-e-foge, a pensar nas eleições antecipadas na Alemanha, e ainda por cima em contraciclo”, avalia um conservador do sul. “Por lá, nesta altura, o federalismo é coisa que não vende.”
“Está a alinhar totalmente com Macron para tentar ganhar margem”, aponta um socialista também do Mediterrâneo. “Mais vale aguardar e ver. Mas a Europa como está não pode ficar.”