Tenho a maior das dúvidas sobre a capacidade da esquerda fazer Oposição à União Europeia depois de apoiar um Governo que tem um ministro a presidir ao Eurogrupo. Isto vale para o PCP, para o BE e para o PS.
Apesar de os socialistas que antes também criticavam a austeridade «de Bruxelas» agora se resumirem à austeridade do «anterior Governo», é evidente que o euroceticismo mal escondido de algum PS não terá grande futuro depois de Mário Centeno liderar os ministros das Finanças da Zona Euro com António Costa a efusivamente celebrá-lo. É, claro, a suprema das ironias que seja um chefe de Governo apoiado por comunistas a tornar a Europa sexy outra vez do ponto de vista político e eleitoral, como foi um primeiro-ministro que ia «virar a página da austeridade» promover depois cartazes sobre uma meta de défice.
Se a popularidade do projeto europeu entrou em natural decadência durante o resgate (de 2011 a 2014), Costa, numa consequência positiva do seu próprio populismo, está a tornar os portugueses mais europeístas – ou, se preferirmos, novamente europeístas. Se fosse Maria Luís, seria o ajoelhar aos interesses de Merkel; como é Centeno, vamos mudar a Europa, o mundo e Marte.
Quando o ciclo económico mudar, e as vacas gordas precisarem de dieta, o PS pouco poderá mugir contra a rigidez orçamental e a reduzida tolerância ao défice. Por um lado, porque as assumiu como vitórias suas nos últimos dois anos de governação. Por outro lado, porque o rosto dessa rigidez orçamental poderá ser seu: Mário Centeno. Não acredito, por isso, que António Costa tenha permitido a candidatura e consequente vitória do seu ministro caso pretendesse a manutenção da atual solução de governo após as próximas legislativas. Um português a presidir ao Eurogrupo é bom para Portugal, mas não é bom para a ‘geringonça’. É óbvio que Wolfgang Schäuble já não integrar a reunião e a Alemanha ainda não ter estabilidade governativa são fatores que facilitarão a vida a Centeno no curto prazo. Não é nada óbvio que o português vá mudar a doutrina vigente no Eurogrupo no médio prazo, até por um pormenor muito simples: ele sempre cumpriu com ela. E o BE e o PCP nunca gostaram.
Foi genuinamente cómico ouvir Mário Centeno louvar o seu antecessor, Jeroen Dijsselbloem, pelo que «aprendeu» com ele a nível «de consensos», mostrando que este Governo foi de pedir a demissão de alguém para depois receber lições políticas do mesmo alguém. Quase tão cómico quanto Marcelo Rebelo de Sousa ir de considerar Centeno no Eurogrupo «uma má solução para Portugal», em maio, a dizer agora que se trata de algo «muito bom» para o país.
Pessoalmente, gostava que Mário Centeno mudasse o Eurogrupo, que trabalhasse para tornar o órgão informal que decide os orçamentos do Estado dos portugueses numa instituição respeitável, transparente, escrutinada e escrutinável pelo Parlamento Europeu e pela imprensa livre – coisa que manifestamente não é. Infelizmente, e olhando para a falta de prestação de contas que o seu Ministério demonstra na Assembleia da República, essa também parece uma possibilidade bastante cómica. Veremos.