Se dúvidas existissem sobre o apoio das bases do maior partido conservador francês ao reposicionamento político entabulado pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy quando, em 2015, este transformou a União para um Movimento Popular n’Os Republicanos e decidiu reorientar o discurso para terrenos próximos da extrema-direita, elas foram cabalmente diluídas com a vitória esmagadora de Laurent Wauquiez nas eleições internas do partido, realizadas no passado domingo.
Ainda que numa contenda que teve pouca participação – votaram menos de metade dos 235 mil militantes inscritos -, o presidente da região francesa de Auvergne-Rhône-Alpes, conhecido pelas suas posições radicais em matéria de imigração, identidade, segurança ou questões sociais, reuniu 74,6% dos votos e foi eleito líder d’Os Republicanos.
Pelo caminho na corrida à vaga deixada em aberto por Sarkozy – que abdicou do posto para se focar na candidatura (falhada) à nomeação para candidato presidencial dos conservadores – ficaram Florence Portelli (16,11%), antiga porta-voz de François Fillon, e Maël de Calan (9,25%), ex-membro da equipa de Alain Juppé nas eleições internas do partido, realizadas há precisamente um ano.
Aos 42 anos e com um percurso político assinalável – foi ministro dos Assuntos Europeus (2010-2011) e ministro do Ensino Superior (2011-2012) durante a presidência de Sarkozy, já depois de, aos 29 anos, se ter tornado o mais jovem deputado a ser eleito para a Assembleia Nacional (2004) -, o homem que vê em Donald Trump uma “inspiração”, que defendeu a prisão imediata de todos os suspeitos de ligações a movimentos terroristas, que se recusou a ratificar um casamento gay enquanto era presidente de câmara e que rotulou os apoios sociais de “o cancro da sociedade francesa” foi tão concreto na definição da sua agenda mediática que até recebeu convites da Frente Nacional (FN) para a formação de uma coligação.
“Ele [Wauquiez] teve a oportunidade de pôr fim a esta direita, que não defende a população francesa, mas rejeitou a nossa mão estendida. É pena”, revelou o vice-presidente do partido de extrema–direita, Nicolas Bay, citado pela France 24. Semanas antes, a própria Marine Le Pen tinha sugerido, numa entrevista à RTL e ao “Figaro”, que se Wauquiez fosse “honesto” devia “propor uma aliança política” à FN e abandonar a “ambiguidade”.
Como tantos outros partidos do moderado establishment europeu, saídos das vaga de eleições que tomou conta do Velho Continente durante este ano, Os Republicanos perderam votos, espaço e credibilidade. No que toca à corrida ao Palácio do Eliseu, então, o partido conservador foi mesmo humilhado. Acossado pelo escândalo dos empregos fantasma oferecidos a familiares, o seu candidato, François Fillon, não passou da primeira volta – um quadro nunca testemunhado na V República Francesa -, tendo sido ultrapassado pela candidata de um partido nacionalista, xenófobo, antiglobalização e por um político inexperiente e sonhador no ato eleitoral de abril.
O cenário melhorou nas eleições parlamentares, de junho, mas nem por isso deixou de ser constrangedor para Os Republicanos: mesmo transformado em segunda força na Assembleia Nacional, o partido de centro-direita viu a recém-criada plataforma política de Emmanuel Macron – República em Marcha! -, composta por autênticos desconhecidos do eleitorado francês, lograr uma impressionante maioria superior a 300 deputados. Não foi, por isso, estranho ouvir Laurent Wauquiez, por ocasião do seu discurso de vitória, declarar o “início de uma nova era da direita” e prometer a “reinvenção e reconstrução de tudo”.
Na sua missão de “reinventar e reconstruir” Os Republicanos, o natural de Lyon insiste, no entanto, na prossecução de uma linha inflexível e afastada do centro ideológico, pouco apreciada pelos pesos-pesados do partido, mas apoiada pelas bases e pelas fações católicas do mesmo. E aponta baterias ao alvo a abater em França: o presidente.
As divergências entre os dois políticos da mesma geração – curiosamente, foram formados no mesmo estabelecimento de ensino, a elitista École Nationale d’Administration – são de tal forma acirradas que o site Politico não hesita na hora de catalogar Wauquiez como o “anti-Macron”. O presidente francês defende, por exemplo, uma redução faseada e moderada da despesa pública, uma abordagem liberal das questões sociais e uma zona euro mais integrada, ao passo que o aspirante a chefe de Estado em 2022 quer um corte imediato e brutal nos gastos com a administração pública, idealiza uma visão ultraconservadora da sociedade francesa e propõe transformar a União Europeia numa “União de Nações”, onde os países mais pequenos devem reconhecer a importância e a relevância superior de Estados como a França ou a Alemanha.
Wauquiez acusa ainda Macron de estar a vender “fábulas” e “ilusões” aos franceses no que toca às promessas de reforma do código laboral, acredita que a redução do número de funcionários públicos, liderada pelo presidente, “vai demorar séculos” e vê as suas políticas europeias como uma “dissolução de França dentro da Europa”.
O discurso corrosivo, mordaz e pragmático empregue por Laurent Wauquiez granjeou-lhe infinitos críticos e inimigos – o atual ministro das Finanças, Bruno Le Maire, já o acusou de “reinar através do terror” e nomes históricos da direita francesa consideram-no um “narcisista clínico” e um “oportunista” – e levou-o a calcorrear caminhos incompatíveis e incoerentes: em 2005, por exemplo, deu a cara pelo projeto da Constituição Europeia, chumbado em referendo pelos franceses, mas entretanto tornou-se um eurocético, tendo mesmo defendido a abolição da Comissão Europeia, na sequência da decisão britânica de abandonar a União.