À decisão da administração norte-americana, oficializada em junho deste ano, de abandonar o Acordo de Paris, de 2015, para a proteção do clima, Angela Merkel respondeu com firmeza: “Não podemos ficar à espera que o último homem na Terra se convença das evidências científicas das alterações climáticas”. A posição da chanceler alemã, aqui citada pela Bloomberg, compreende-se. A Alemanha tem sido um país pioneiro na transição para as energias renováveis e na conceção de boas práticas sobre a matéria, tendo logrado, por exemplo, fazer depender um terço da sua produção elétrica no aproveitamento da energia solar e eólica – no espaço de apenas 15 anos – ao mesmo tempo que mantém em execução o plano de desmantelamento de todos os seus reatores nucleares até 2022. E tudo isto acompanhado pela criação de mais de 300 mil novos postos de trabalho e pela apresentação de excedentes comerciais.
A realidade, porém, não encaixa de forma tão cristalina na imagem reproduzida por Berlim. As emissões de dióxido de carbono não só não diminuíram na última década, compo até têm vindo a aumentar nos anos mais recentes. A Agência Ambiental Federal da Alemanha calculou a emissão de 902 milhões de toneladas de CO2 em 2015, 906 milhões em 2016 e aponta para novo aumento em 2017. Um padrão que, a manter-se, torna impossível o cumprimento das metas definidas para 2020 e 2030, com vista à redução das emissões em 40% e 55%, respetivamente.
No que toca ao carvão, então, a Alemanha não é exemplo para ninguém. Para além de continuar a produzi-lo e a consumi-lo em excesso, não parece muito inclinada a fazer grandes esforços para alterar essa dependência. Cerca de 40% da energia do país é gerada por carvão, com a agravante de grande parte dele ser lenhite, um tipo de carvão fóssil com elevado teor de carbono e um dos mais poluentes do globo. Segundo a “Foreign Policy”, a Alemanha é mesmo o maior extrator mundial de lenhite e seis das suas centrais – ativas por 24 horas, ano sim, ano não – figuram na lista das dez centrais mais poluidoras da Europa.
A isto se somam os projetos, em curso, com vista à abertura e escavação de mais minas de carvão a céu aberto e um ininterrupto financiamento estatal à indústria, que, para além de incoerente com as promessas almãs de supressão faseada da utilização daquele combustível fóssil, até 2030, destoa dos esforços protagonizados por outros grandes consumidores de carvão da Europa, como a França, o Reino Unido ou a Finlândia. A nível europeu, os alemães foram precisamente os maiores consumidores de carvão mineral de 2016 [ver caixa ao lado], e estima-se que possam vir a ultrapassar a Polónia no topo dos maiores produtores de 2017.
Tanto Merkel (CDU) como Martin Schulz (SPD) evitaram dar demasiada atenção ao tema ‘carvão’, durante a mais recente campanha eleitoral, e apenas os Verdes colocaram a questão entre as dez principais prioridades para a nova legislatura.
As posturas desprendidas dos dois maiores partidos alemães sobre a dependência alemã no carvão, somadas aos números desencorajadores em matéria de produção e consumo da maior economia da União Europeia, podem explicar-se, em grande medida, pela influência enorme que os sindicatos dos mineiros e dos trabalhadores ligados à energia ainda exercem sobre o poder político. A região ocidental da Renânia e a zona oriental da Lusácia, por exemplo, empregam milhares de mineiros e trabalhadores do setor, e são verdadeiros bastiões tanto da terceira maior união sindical da Alemanha – a IG Bergbau, Chemie, Energie –, como do próprio SPD. O facto de terem sido duramente atingidas pela crise económico-financeira que assolou o Velho Continente, ofereceu-lhes também imunidade à atenção da CDU.
Defende o lobby do carvão que a decisão de Angela Merkel de abdicar da energia nuclear, em 2011, sustenta a manutenção e o incremento do investimento na indústria do carvão mineral, numa lógica de acompanhamento eficiente da transição. Acompanhamento esse que, argumentam, também se aplica aos dias em que não houver sol ou vento, na Alemanha, para alimentar as centrais elétricas.