A licenciatura no rock académico fora concluída em “Document” – a tese de estágio dos R.E.M., de 1987 – e o anterior “Out of Time” dera um salto no escalão das finanças, com êxitos universais como “Losing My Religion” e “Shiny Happy People”. Ainda assim, os valores “alternativos” não caíam no esquecimento e “Automatic For The People” era um teste severo à ética. Como conciliar um auditório imenso, a pressão de uma editora multinacional e uma sólida reputação construída em circuitos paralelos e informados?
Editado a 5 de Outubro de 1992, “Automatic For The People” é um círculo perfeito. No pós-1991 de “Nevermind” dos Nirvana afirmou um gigante para a década e desconstruiu o velho chavão de que crescer e vender é igual a ceder. Nem a balada “Nightswimming”, escrita numa noite tardia por Michael Stipe para Tim Booth (dos James), muitos anos antes de o vocalista dos R.E.M. assumir a homossexualidade que os bastidores já conheciam de ginjeira, representa uma perda de memória.
Resistente em playlists de rádios nostálgicas e canais de interesse revivalista, continua a emocionar às primeiras notas do piano mas “Automatic For The People” é muito mais do que essa ou que “Man On The Moon”, um sincero agradecimento a Andy Kaufman, escrito sete anos antes do filme homónimo protagonizado por Jim Carey, e de os comediantes dividirem a constelação de estrelas rock com os rappers.
Em 1992, o rock ainda era das guitarras e apesar de os R.E.M. não aportarem o impulso adolescente de Kurt Cobain – de quem eram fãs – dos Pearl Jam, Faith No More, Red Hot Chili Peppers ou Rage Against The Machine, não permitiam que a relação com a indústria comprometesse o compromisso com o único tipo de independência que importa: a criativa. ”Éramos contra o monstro do grunge mas fizemos um bom trabalho e estávamos rodeados das pessoas certas”, recorda Mike Mills à Billboard. Para o baixista, é confortável reconhecer “o impacto nas pessoas” e a herança resistente à passagem do tempo.
O anel da relação de sonho chegaria em meados dos anos 90 quando renovaram contrato com a Warner Bros por 50 milhões de dólares e a seguir gravaram o experimentalista “New Adventures In Hi-Fi”.
Esse cartão de crédito ilimitado foi permitido por “Out of Time” e sobretudo por “Automatic For The People”, elevadores da glória que inauguravam a década de 90 dos R.E.M. a bisar tal como os U2 no arriscado díptico “Achtung Baby” e “Zooropa”.
O 25º aniversário é o pretexto para espreitar pelo buraco da fechadura através de maquetas com os títulos de trabalho (“Everybody Hurts nasceu como “Michael’s Organ”), os inéditos “Mike’s Pop Song” e “Devil Rides Backwards, o dueto “Photograph” com a quase esquecida Natalie Merchant, o concerto “Live At The 40 Watt Club 11/19/92” – o único de promoção ao álbum, entretanto disponibilizado em vídeo –, um livro de 24 páginas com escritos de cada um dos quatro: Michael Stipe, Peter Buck, Mike Mills e Bill Berry, o baterista que haveria de partir em 1995 devido a um aneurisma – e fotos nunca antes publicadas do mago Anton Corbijn.
Estes são os factos, assim como “Automatic For The People” ter gerado uma reforma dourada. 18 milhões de discos, o tal contrato astronómico a caminho, direito de antena ilimitado para “Everybody Hurts” e “Nightswimming”, uma mão cheia de singles graças às duas baladas, “Man On The Moon”, “The Sidewinder Sleeps Tonite” e “Drive” e o direito adquirido a representar os anos 90, agora que a memória coletiva se inclinou para a década dos anos dourados da indústria e de todas as questões sobre a América. Os R.E.M. estavam lá no turbilhão mas conservaram um disco de grande desgaste mediático em local seguro.
Da caneta de Michael Stipe só vêm revelações. As canções são confessionários do abandono e do isolamento. “Automatic For The People” foi grande nas proporções mas o interior é transparente. Este ano foram reeditados títulos históricos como “The Queen is Dead”, dos Smiths, “Purple Rain”, de Prince, e “OK Computer” dos Radiohead. Talvez “Automatic For The People” perca em carga icónica ou na motivação dos vindouros mas é uma peça essencial da época.
E os R.E.M. não se preocuparam só em reconstituir os acontecimentos, ou revender uma peça lucrativa, como souberam valorizá-la, revisitando o único concerto desse ano e acrescentando ainda um documentário. O filme é uma banda sonora visual da reedição e abre um canal de comunicação direto entre esta reedição e o YouTube.
Isto passou-se em 1992, os R.E.M. acabaram com dignidade em 2011 mas o corpo está vivo através de reedições e de uma teimosa memória. O que é diferente de uma reunião ou voltar à estrada.