Para os Beatles, a segunda medade dos anos-60 foi um bocado apressada. Talvez confusa até fosse uma designação mais a propósito.
Muito se escreveu e contou sobre os quatro moços de Liverpool e que formaram uma das bandas mais famosas de todos os tempos. A ponto de John Lennon ter provocado praticamente uma revolução entre a população católica mundial ao referir, com um descaramento divino, como diria o Ega, n’Os Maias: “Somos mais populares que Jesus Cristo!!!”
Bom. Isso é lá com eles.
A história desta semana tem mais que ver com um dos Beatles do que com os quatro ao mesmo tempo. Falar em dias com a correcção própria dos calendários também não é simples. A vida corria, enfim. E nós sabemos como é a vida quando corre e nós somos jovens e o tempo não tem, afinal, assim tanta importância como parece.
Em Dezembro de 1968, Paul McCartney estava no Algarve.
Luís Pinheiro de Almeida é uma belíssima fonte de informação.
Ao fim ao cabo escreveu, a meias com Teresa Lage, um livro chamado Os Beatles em Portugal.
Ora, está-se mesmo a ver que os Beatles não estiveram em Portugal apenas uma vez. Estiveram várias. Às vezes apenas um deles, como neste caso de 1968 que trago hoje à paciência habitual dos leitores destas páginas.
Quinta das Redes, Praia da Luz: eis onde Paul se instalou com Linda Eastman, mais tarde sua mulher.
Parece que os dias estavam límpidos como os olhos de Elizabeth Taylor.
Inverno a sul.
Sol e céu azul.
McCartney não fugiu ao fascínio do mar, foi fotografado na praia, de pé na areia, a folhear um jornal português que muito provavelmente trazia notícias dele mesmo, sempre dava para, como gosta de dizer o povo, ir vendo os bonecos.
Também não fugiu ao fascínio da noite. Era o que faltava!
A discoteca da moda por aquelas bandas chamava-se Sobe e Desce, no Carvoeiro.
Paul e Linda ia lá dançar, beber uns comos, sabe-se lá o que mais.
Sobre a determinada noite que ficou para a lenda da música em Portugal e que se perde aqui e ali, entre os dias 14 e 18 de Dezembro, depende dos testemunhos, Paul terá querido ir trocar Libras por escudos.
Dirige-se ao Hotel Penina.
E aí é apanhado no torno apertado dos eisódios que as lembranças não deixam prescrever.
Penina. Os Jotta Herre era um conjunto português em voga e tocavam no Hotel Penina. Aníbal Cunha, Rui Pereira, Carlos Pinto, José Carlos Flamínio.
Flamínio viria a contar, mais tarde, numa entrevista concedida ao Diário de Notícias: “De repente, num intervalo da nossa actuação, damos de frente com um tipo igualzinho ao Paul McCartney!”
Ainda por cima, além de igualzinho ao Paul McCartney, era o próprio Paul McCartney!
Cáspite!, soltaria qualquer um mais desprevenido.
“Convidámo-lo para tocar alguma coisa connosco e ele foi simpatiquísssimo e disse logo que sim. Insistimos para que pegasse no baixo, mas ele preferiu a bateria”, contou José Carlos Flamínio.
Entre a uma e meia e as três e meia da manhã, Paul McCartney fez de Ringo Starr dos Jotta Erre.
Uma pândega!
Os jovens músicos portugueses jamais esqueceriam esse momento. E com toda a razão.
Mas ainda teriam mais para não esquecer.
O Beatle sentou-se ao piano e fez questão de compor, ali mesmo, uma canção para eles. Alguém a guardou num velhinho gravador de fita. Não foi necessário exageros de imaginação para lhe encontrar um título: Penina.
Se até aí fora tudo muito perdido numa ligeireza com o seu quê de algarvio, Inverno ou Verão, pouco importa, na fase de edição as coisas deram para o torto. Afinal, as questões que se prendem com direitos de autor podem transformar-se em amarras dignas das caravelas da Escola de Sagres do tempo do Infante.
Penina seria lançado no ano seguinte. Sob a chancela da Phillips. cabiam no álbum mais três canções: North, To Grandma e The Needing of Love.
“Procurámos Paul e tentámos que ele gravasse connosco o Penina”, revelou Flamínio. “Mas ele, nessa altura, estava demasiado ocupado”.
Mais tarde surgiu outra versão da mesma música. Interpretada por Carlos Mendes. Ele próprio me contou a forma como a oportunidade surgiu. “Tinha saído dos Sheiks, estava numa fase de cantar a solo e a Valentim de Carvalho, que representava a Parlaphone em Portugal, sugeriu-me que gravasse Penina com outras condições, já que os arranjos anteriores eram um pouco pobres”.
Em 1976, Carlos Mendes fazia-se ouvir num álbum que levou o nome de The Songs Lennon and McCartney Gave Away, que poderia não ser assim um título muito convidativo, mas teve a sua procura.
Também no Brasil, Penina teve direito a edição. A voz era de Aggeu Marques.
“A noite, essa, foi fantástica”, recorda José Carlos Flamínio. “Quando os residentes no hotel perceberam quem estava sentado na bateria, foi uma procissão!” McCarntey não deve ter tido uma Hard Day’s Night…