A Europa vive simultaneamente preocupada com a multiplicação de governos nacionalistas e, tal como demonstra a recém-formada coligação austríaca, também gradualmente mais confortável com o seu surgimento. A chave para o perceber encontra-se nos silêncios europeus dos últimos dias.
Este fim de semana, o partido tradicional do centro-direita austríaco e os nacionalistas e eurocéticos do FPÖ – ou Partido da Liberdade – anunciaram uma coligação de governo com a mesma formulação da criada no ano 2000, na altura em que os dois partidos se juntaram de forma inédita e a extrema-direita regressou ao poder em Viena pela primeira vez desde o período nazi. Assim que o acordo foi anunciado, as ruas e os vizinhos austríacos responderam com cólera.
Os 14 parceiros europeus de então na comunidade anunciaram sanções diplomáticas contra Viena; Israel retirou a embaixada da capital austríaca e centenas de milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas contra o novo governo, em protestos que muitas vezes terminaram em confrontos violentos. “A Europa pode funcionar muito bem sem a Áustria”, dizia então o pai do atual primeiro-ministro belga e naquele momento ministro dos Negócios Estrangeiros, Louis Michel, sugerindo a saída austríaca da comunidade.
A coligação repetiu-se este fim de semana, mas a resposta europeia, não. Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão, nada disse. Donald Tusk, o polaco que preside ao Conselho Europeu, manteve-se também em silêncio. Os dois vão encontrar-se hoje com o novo chanceler, o mais jovem na história da Áustria e o presidente do Partido Popular, Sebastian Kurz, de 31 anos, e Bruxelas dizia ontem pelos seus assessores que quem quer uma resposta tem de esperar pelo fim das reuniões. A voz mais crítica e oficial da comunidade fez-se ouvir, brandamente, no domingo. “A situação é evidentemente diferente de que o precedente de 2000”, disse Pierre Moscovici, o comissário francês para a Economia. “Mas a presença da extrema-direita nunca é trivial.”
A situação é, com efeito, diferente. Tanto a europeia como a austríaca. O FPÖ sofreu nos últimos anos um processo de limpeza semelhante ao que aconteceu com a Frente Nacional francesa – que no fim de semana celebrou o novo governo. Heinz-Christian Strache, o líder do partido nacionalista, fala dos perigos da “islamização” da cultura austríaca e europeia, mas é uma versão muito mais branda do líder histórico Jorg Haider, que comandava o partido no ano 2000 e falava aberta e positivamente das “bem organizadas” políticas de emprego” de Adolf Hitler, ou sobre os campos de concentração como “campos de castigo”. Haider, no entanto, aceitou não deter qualquer pasta há 17 anos, e Strache, por sua vez, será vice-chanceler – o FPÖ vai mesmo controlar algumas das pastas mais importantes no governo: Negócios Estrangeiros, Defesa e Interior.
Parte da resposta contida em Bruxelas deve-se ao facto de o jovem chanceler ter mantido as relações europeias em seu poder e de o acordo de coligação – que tem 182 páginas – se comprometer a não realizar um referendo sobre a comunidade europeia e insistir num executivo próximo de Bruxelas. Haider, em todo o caso, comprometeu-se ao mesmo há 17 anos, e foi rejeitado. A UE, no entanto, tem hoje preocupações maiores e mais autoritárias que Viena (ver textos abaixo). O FPÖ, no entanto, continua em muitos sentidos a comportar-se como velho partido nacionalista criado por um grupo de antigos nazis austríacos, mesmo que por estes dias suavize a sua imagem.