Janeiro – Despacito
Miguel Esteves Cardoso chamava-lhes otovermes. Parasitas que se impregnam no organismo e só morrem por cansaço. Em 2017, esse vírus chamou-se “Despacito”. Estreou a 13 de janeiro, resistiu a rádios, televisões, casamentos e bailes populares. Arrebatou o recorde de visualizações do YouTube. Pergunta para queijo: quem é o cantor?
Fevereiro – Black Sabbath
Uma instituição que fechou portas. Chamar banda aos Black Sabbath é como chamar museu ao Louvre. Pais do heavy metal, fecharam a loja a 4 de fevereiro a jogar em casa, em Birmingham, após mais de 40 anos de vida de estrada. De excessos – Ozzy Osbourne diz não se lembrar dos anos 80 – mas também de uma história em reconstrução permanente.
Março – Ed Sheeran
Na era do digital, as contas fazem-se de forma diferente. As vendas já contam pouco – o streaming é o instrumento usado para se apurar o impacto de um álbum e ÷ (lê-se “Divide”) de Ed Sheeran foi o campeão. O mais ouvido de sempre na história ainda recente do Spotify com 1,4 mil milhões de escutas. Suficiente para relegar Drake, o dono de 2015 e 2016, para segundo.
Abril – Kendrick Lamar
Nas métricas, ganhou ÷. No respeito e aclamação, o álbum do ano foi “Damn” de Kendrick Lamar, o Bruce Springsteen dos tempos modernos. Herói popular dos comuns mortais, voz de quem não a tem nas ruas e nos trabalhos, símbolo da cultura negra desfavorecida, voltou a reinventar-se e adiciona uma nova camada lenda: vídeos cinematográficos memoráveis.
Maio – Chris Cornell
Se há mortes chocantes pelo inesperado, a de Chris Cornell foi uma delas. Tinha apenas 52 anos e nem os mais próximos suspeitavam de problemas. Após um concerto dos Soundgarden em Detroit, suicidou-se por enforcamento. Voz majestosa do rock de Seattle, sofria de depressão crónica. Dos ícones da geração do grunge, apenas sobra Eddie Vedder.
Junho – NOS Primavera Sound
De Sagres a Vila Real e ilhas, o NOS Primavera Sound foi o mais conseguido. E a melhor e mais concorrida edição da manga portuense. No prado do Parque da Cidade, festejou-se a diversidade. Miguel, Elza Soares, Run The Jewels, Sleaford Mods, Skepta, Nicolas Jaar, Flying Lotus e Death Grips sagraram a Primavera. Com Aphex Twin, atingiu-se a transcendência.
Julho – Chester Bennington
O ato de Chris Cornell motivou o amigo e fã Chester Bennignton a sair de cena pela mesma via: suicídio no dia de aniversário de…Cornell. No funeral deste, interpretou o hino “Hallelujah” de Leonard Cohen. O vocalista dos Linkin Park também sofria de depressão mas, aos 41 anos, ninguém esperava que abandonasse o barco. Como quem tira a vida do papel.
Agosto – Tribalistas/Chico Buarque
Ordem e progresso na canarinha. 25 de Agosto, dia escolhido para assinalar a reentré discográfica, trouxe de volta os Tribalistas. Sem nota prévia ou aviso à navegação. Só assim, Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e a convidada Carminho. E foi também dia de Chico Buarque Hollanda dizer: “os cães ladram e as caravanas passam”.
Setembro – Charles Bradley
No início de setembro, Charles Bradley cancelara o Vodafone Mexefest pela segunda vez em dois anos. Temia-se o pior. A 23 de setembro, o guardador da soul, dono de uma voz maior que a vida entregou-se ao criador. O corpo foi conhecer a morada de Deus, as canções ficaram connosco para nos apaziguar sempre que o escutamos de alma e coração.
Outubro – Tom Petty
Dos músicos mais importantes que nos deixaram, nenhum estava reformado ou na curva descendente. Aos 66 anos, Tom Petty ainda era uma referência da América elétrica. Escritor de canções da geração de Springsteen, contemporâneo de Dylan, era ainda um farol no escuro e na incerteza. Uma paragem cardíaca fulminou-o.
Novembro – Zé Pedro
No dia do último concerto, a 4 de novembro, Tim confirmava a luta pela sobrevivência de Zé Pedro. O Coliseu dos Recreios haveria de ser o derradeiro palco do símbolo do rock’n’roll em Portugal. A última imagem, um vídeo da plateia aos saltos pelo ídolo que nunca se empertigou com a adoração . A 30 de novembro, um dia cinzento, o homem do leme partiu. Um herói nacional.
Dezembro – U2
“Nothing changes on new year’s day”. O verso central da canção mais repostada a cada 1 de janeiro igual aos outros de ressaca monstruosa. “Nothing happens on new year’s month”. A frase que Bono nunca admitiria agora que um novo álbum dos U2 já não eriça o pelo. Mas foi o que aconteceu com “Songs of Innocence”: nada. Afinal sempre muda alguma coisa.