Natal. Cientistas não largam o caso de São Nicolau

Em vésperas do Natal, duas investigações dão novas pistas sobre o homem que inspirou o melhor amigo das crianças nesta altura do ano

Um velhote barrigudo, vestido de vermelho e branco, que desce pela chaminé para nos trazer prendas faz parte do imaginário coletivo na magia do Natal. Mas a história nem sempre foi esta. Tudo começou em 270 depois de Cristo, quando se julga que São Nicolau nasceu em Patara, hoje Turquia. Segundo registos históricos, Nicolau, filho único e membro de uma família rica, terá perdido ambos os pais quando era muito novo e passou a depender do tio, bispo de Myra, aderindo à fé cristã. Ordenado padre, a sua generosidade para com as crianças, principalmente as desfavorecidas, tornou-se a sua imagem de marca e viria a inspirar a figura que hoje domina o Natal. Mais de 1500 anos depois, porém, os investigadores não se entendem sobre o paradeiro dos seus restos mortais.

Aquando da sua morte, a 6 de dezembro de 343, o seu corpo foi enterrado em Mira, no sul da Turquia, tornando-se um famoso destino de peregrinação para os cristãos. O drama do seu paradeiro começou, porém, quando, em 1087 e perante uma possível invasão árabe, marinheiros cristãos decidiram alegadamente retirar os seus restos mortais para os transportar para Bari, onde ainda hoje se encontram – versão contestada por arqueólogos turcos. Ao longo dos séculos, alguns dos seus restos mortais foram transportados para Veneza, enquanto outros se extraviavam para outras partes do continente europeu.

Duas investigações recentes vieram dar novas pistas. Dois cientistas da Universidade de Oxford, que analisaram um fragmento de osso da pélvis que acreditam que poderá pertencer a São Nicolau e que contribui para a tese italiana.

Por meio de técnicas de datação com base em radiocarbonos, Tom Higham e Georges Kazan conseguiram apurar que o osso remonta ao mesmo período histórico em que se calcula que o sacerdote terá falecido, por volta do ano 343 depois de Cristo. “Muitas das relíquias que estudámos remontam a um período um pouco mais tarde do que os atestados históricos sugeriam. Este fragmento de osso, em contraste, sugere que podemos estar a olhar para os restos mortais do próprio São Nicolau”, disse Higham.

Desde 1087 que a maioria dos restos mortais do santo se encontram sepultados na Basílica de São Nicolau, em Bari, Itália, enquanto outros 500 fragmentos estão preservados na Igreja de São Nicolau, em Veneza. Ainda assim, vários ossos que remontam ao mesmo período histórico têm sido apresentados como pertencentes ao Santo, inundando o panorama arqueológico mundial.

Entre a exceção a estes casos encontra-se o deste fragmento de osso da pélvis, cujo dono é o Padre Dennis O’Neill, da Igreja de Martha da Betânia, Illinois, EUA. O norte-americano adquiriu-o a um colecionador que afirma já ter vendido centenas de relíquias – restos mortais de santos cristãos – pelo mundo fora, incluindo ossos de Joana D’Arc, Santo João Baptista, São Tomás de Aquino, entre outros. De acordo com o padre, que diz ter mais de 1500 relíquias na sua igreja, o osso de São Nicolau veio de Lyon, França.

O passado do osso dificultou o trabalho da equipa de Oxford para determinar a sua verdadeira origem. Contudo, os restos mortais que estão em Bari não incluem o osso da pélvis inteiro, mas apenas a parte esquerda. Esta descoberta levantou a possibilidade deste fragmento poder mesmo ter pertencido a São Nicolau, atraindo a atenção de Kazan para a continuação da investigação.

“Estes resultados encorajam-nos a recorrer agora às relíquias de Bari e Veneza para tentarmos mostrar que os restos pertencem ao mesmo indivíduo”, disse o investigador. Para isso, os testes de ADN são uma forte possibilidade, comparando a planta genética dos ossos. Ainda assim, o professor Higham mostra contenção ao abordar as possíveis conclusões da investigação: “A ciência não é capaz de provar definitivamente que é, pode apenas provar que não é”, apesar de ser “excitante pensar que estas relíquias, que remontam a tempos antigos, possam de facto ser genuínas”.

Apesar de aparentemente ganhar força a ideia de que os restos mortais de São Nicolau estarão sobretudo em Itália, a verdade é que os cientistas não deixam o santo em paz e a Turquia não resigna. Em outubro, arqueólogos turcos afirmaram ter descoberto os verdadeiros ossos de São Nicolau e sugerem que afinal as ossadas não estão espalhadas por Itália mas num templo na cidade de Demre, a sul da Turquia. “Este é um achado importante tanto culturalmente quanto para o turismo turco”, afirmou Cemil Karabayram à Associated Press. “Temos obtido muito bons resultados mas o trabalho real começa agora. Vamos alcançar a base [do templo] e talvez encontremos o corpo de São Nicolau intocado”, disse.

O arqueólogo acredita que os restos mortais em Bari e Veneza são os de outra pessoa – porventura um outro padre – que não o do homem que inspirou a lenda do Pai Natal, contestando uma versão com mais de sete séculos. No final do dia, não há forma de provar uma versão ou outra. E o certo é que o paradeiro dos restos mortais de São Nicolau promete continuar a ser um mistério.

Uma vida com alguns percalços Se hoje a lenda do Pai Natal faz sorrir miúdos e graúdos, Nicolau passou um mau bocado. Esteve preso cinco anos na cadeia por ter recusado renunciar à sua fé. Ao sair da prisão, o cristão continuou a pregar e a subir na hierarquia cristã até chegar ao cargo anteriormente ocupado pelo tio e estar profundamente envolvido no Primeiro Concílio de Nicaea, em 325 D.C. Neste, envolveu-se numa disputa de pugilismo com o bispo Arius, ficando com o nariz partido – em 1957 o professor de anatomia italiano Luigi Martino fez uma análise completa das ossadas em Bari, concluindo que Nicolau teve, em algum momento da sua vida, o nariz partido, o que é mais um ponto para a tese italiana.

Ao longo da sua vida, Nicolau ficou conhecido entre os seus pares pela enorme generosidade, principalmente para com as crianças mais desfavorecidas. Uma das práticas pela qual era conhecido consistia em colocar moedas nos sapatos das crianças, que os colocavam no exterior para que Nicolau os visse. O padre fazia as suas rondas pelas ruas e ia distribuindo moedas – gesto na origem da tradição de deixar o sapatinho na árvore ou em cima da lareira.

A lenda floresceu com a beatificação de Nicolau pela Igreja Católica. A partir do século XVI, São Nicolau começou a ser chamado pelos holandeses de “Sinterklaas”, palavra que, mais tarde, se transformou em “Santa Claus” (Pai Natal). Alguns defendem que o Pai Natal inicial se vestia de verde e que a multinacional Coca-Cola transformou a sua imagem para vermelho e branco – as cores da bebida – com uma campanha publicitária na década de 30. Desde essa altura que esta figura imaginária é indissociável destas duas cores. E, hoje, o Pai Natal não desce pelas nossas chaminés, mas entra, todos os dias, em dezembro, pelas nossas casas adentro. Para alegria das crianças.