Heinz-Christian Strache não quer falar do seu passado mais gritante. Quando os jornalistas tentam entrar por esse caminho, o novo vice-chanceler da Áustria interrompe entrevistas, ameaça ir-se embora, bufa, suspira e olha desdenhoso os que lhe perguntam, por exemplo, pela fotografia em que parece erguer os dedos numa saudação Kühnen, o aceno com três dedos que os neonazis usam na Alemanha depois do III Reich. Insiste também em dizer que uma outra imagem, essa tirada numa floresta e na qual se encontra vestido com calças de camuflado, empunhando uma G3 que, ao que parece, era uma réplica, não foi tirada num ensaio para uma sublevação nazi, como defendem várias testemunhas, mas sim num jogo amigável de paintball que tomou lugar algures entre o fim da década de 80 e início da de 90. Sim, reconhece Heinz-Christian Strache, é verdade que pertenceu a círculos da extrema-direita quando era mais jovem. «À medida que me tentava descobrir, observei de perto muitas coisas», diz. Mas não, não é verdade que alguma vez tenha sido um neonazi, racista e antissemita. «Isso é um disparate total.»
O passado político de Heinz-Christian Strache é suspeito ao ponto de ele ser hoje um dos mais detestados líderes austríacos, mas é também suficientemente ambíguo de forma a permitir-lhe renovar a imagem negra do Partido Austríaco da Liberdade, o FPÖ, e conquistar o terceiro lugar nas eleições austríacas de outubro, reunindo 20,5% dos votos. No fim de semana passado, Strache recolheu os frutos da renovação: tornou-se o parceiro minoritário da nova aliança de Governo, ganhou o cargo de vice-chanceler e o seu partido discretamente extremista conseguiu também os ministérios do Interior, Defesa e Negócios Estrangeiros. Na segunda-feira, milhares de pessoas manifestaram-se em Viena contra o regresso da extrema-direita ao poder, mas Strache e o jovem chanceler Sebastian Kurz acalmaram os centros de poder europeus com um acordo de coligação no qual se comprometem com uma Áustria dedicada à comunidade europeia e em não convocar um referendo à adesão. Strache, vem-se repetindo pelos centros de poder europeus, não é Jörg Haider, o seu antecessor no FPÖ e o primeiro extremista a entrar num governo da União Europeia, em 2000. E também não é Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro, ou o polaco Jarosław Kaczyński. Bruxelas tem maiores dores de cabeça e Strache não é o seu mais difícil problema.
Mas quase certamente o seria há 17 anos. E não apenas pelas propostas que leva para o Governo austríaco, onde procurará, por exemplo, vetar a construção de novas mesquitas para travar a “islamização” da sociedade, reduzir substancialmente os subsídios dados a refugiados, cortar drasticamente na imigração vinda de países muçulmanos e ainda exigir a futuros requerentes de asilo que entreguem o dinheiro de bolso e telemóveis às autoridades. O seu currículo da juventude bastaria para alarmar líderes europeus menos empedernidos pela multiplicação de partidos nacionalistas e de extrema-direita nos parlamentos e governos europeus.
Strache, afinal de contas, embora recuse as associações extremistas que lhe são frequentemente lançadas, foi detido numa manifestação alemã neonazi, em 1989; um ano antes protestara em público contra uma peça que criticava a relação austríaca com o seu passado nacional-socialista; pertenceu a uma fraternidade com laços e rituais nacionalistas na qual, por estes dias, em Viena, se encontram bandeiras louvando a Áustria nazi; e foi considerado «demasiado à direita» e «um agitador» no momento em que tentou entrar na ala jovem do FPÖ, pelo começo da década de 90. Segundo uma investigação do jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”, aliás, os «jogos» na floresta nos quais Strache foi fotografado funcionavam por convite exclusivo e neles treinavam-se técnicas de guerrilha e o uso de bastões. Strache recusa-o, vai-se defendendo e, acima de tudo, progredindo no seu programa: «Não se trata de preservar uma Áustria branca, é apenas uma questão de proteger a comunidade tradicional. Encaramos a Europa como [uma comunidade] cristã, e acreditamos que está em risco de se islamizar.»