Durante muito tempo, os partidos da esquerda portuguesa criticaram – e bem – a opacidade das decisões tomadas pelo Eurogrupo. As reuniões dos ministros das Finanças da zona-euro são feitas à porta-fechada, sem atas, sem presença da comunicação social e não se revela o lá dito. Alguém, desses partidos da esquerda, quer hoje explicar em que diferem essas reuniões do Eurogrupo das reuniões do grupo de trabalho que alterou a lei do financiamento partidário em Portugal? É que tirando os sotaques não estou a imaginar grande coisa. Não se sabe o que foi discutido, o que foi defendido, por quem, por quê ou de que maneira. Desta vez, foi na nossa casa da democracia que se faltou à democracia. Na câmara dos que representam a sociedade, os representantes afastaram-se desta. Apenas sabemos, como no Eurogrupo, o resultado final.
Não se representou ninguém e excecionalizou-se alguém: os partidos.
Desde o verão que António Costa vem falando – só falando, claro – em "acordos" com a oposição. Desde que alguém lhe deu atenção que Rui Rio também fala em "pactos de regime". Desde o início do seu mandato que Marcelo Rebelo de Sousa pede – mais ou menos abstratamente – "consensos". Esta semana, viu-se que os partidos portugueses, quando se juntam, não visam defender o interesse nacional. Visam defender os seus próprios interesses. Aí têm, ilustres preponentes, o primeiro acordo de regime desta legislatura. PS, PSD, Partido Comunista e Bloco de Esquerda propõem o fim do limite à angariação de fundos por partidos e a capacidade de pedirem a devolução do IVA para o que entenderem – incluindo, pasme-se, comida e bebida.
Sobre a Segurança Social, que liga o futuro de uma geração com o direito à dignidade de outra, não há consenso partidário. Sobre a desertificação do interior e a falta de oportunidades que a provoca, não há consenso partidário. Sobre o alojamento local, que expulsa os habitantes das cidades em que nascem, não há consenso partidário. Sobre Saúde ou Educação, não há consenso partidário. Mas sobre os partidos e o dinheiro que estes não pagam ao Estado, claro que houve consenso. Aqueles que durante dois anos não se conseguiram entender para melhor protegerem os seus cidadãos são os mesmos que apertam agora as mãos para não pagarem o mesmo que os seus cidadãos.
Do Partido Socialista, que está atolado em dívidas internas, entende-se a necessidade. Do Bloco de Esquerda já se espera tudo e o seu contrário (porque o BE é tudo e o seu contrário). Do PCP, olhando para a tão apreciada excecionalidade fiscal da sua Festa do Avante, a surpresa também é pouca. Pedro Passos Coelho, que conseguira o implausível feito de sair de cabeça erguida, é que borra a pintura em fim de ato. Uma vergonha da qual o PAN e o CDS, que desmentem a alegada "unanimidade" da decisão, são réstias de esperança. Façam obséquio de prosseguirem à altura. É o mínimo.