Peru. Kuczynski paga caro o perdão a Fujimori

Especialistas da ONU dizem-se “chocados” com perdão a ex-chefe de Estado. Presidente peruano tenta salvar-se com uma guinada à direita.

Pedro Pablo Kuczynski tentou comprar uma segunda vida política com o indulto desta semana a Alberto Fujimori mas, ao anunciá-lo, parece ter despertado um incêndio ainda maior do que aquele que tentou apagar na segunda-feira de Natal, dia em que comunicou ao país que perdoaria os crimes de violação dos direitos humanos e corrupção pelos quais o ex-presidente e homem forte do Peru foi condenado a 25 anos de prisão – cumpriu 12.

Desde segunda que as ruas peruanas estão em polvorosa. Grupos de sobreviventes e familiares das vítimas da presidência de Fujimori fazem protestos todos os dias e esta quinta-feira esperavam-se grandes manifestações por todo o país. Já o governo parece ruir à vista de todos: numa semana, Kuczynski perdeu dois ministros – Interior e, na quarta-feira, Cultura –, o presidente dos meios de comunicação do Estado e o importante conselheiro e antigo vice-presidente Máximo San Román, que esteve no governo com Fujimori e nos últimos anos se tornou um importante aliado de Kuczynski.

O cerco, todavia, não termina entre portas. Esta quinta-feira, o tribunal Interamericano dos Direitos Humanos convocou uma audiência extraordinária para consultar os responsáveis pelo indulto a Fujimori, e especialistas em direitos humanos que trabalham para as Nações Unidas disseram-se “chocados” com o perdão. “Sentimo-nos chocados com esta decisão”, escreve um painel de especialistas em desaparecimentos forçados e matanças extrajudiciais, dois dos principais crimes atribuídos a Fujimori no seu combate às guerrilhas marxistas dos anos 90.

“É uma chapada às vítimas e testemunhas que se dedicaram sem descanso a levá-lo à justiça”, lê-se ainda no comunicado dos especialistas que, como se defende noutras organizações humanitárias, afirmam que o ex-presidente peruano não está suficientemente doente para receber um indulto com base na sua condição médica – como o que foi dado por Kuczynski. “Um perdão humanitário foi concedido a alguém condenado por crimes graves, ao fim de um julgamento equilibrado, cuja culpa não está em dúvida e que não parece corresponder às exigências legais para um perdão.”

Guerra nos Fujimori

O presidente peruano prepara-se para uma remodelação governamental, segundo avança a Reuters. Essa mudanças no executivo quase certamente vão contribuir para uma viragem à direita no seu governo, uma vez que, como defendem os observadores da política peruana, o perdão a Fujimori alienou a ala mais moderada do partido que esta semana se tem vindo a afastar de Kuczynski. Não é certo que tipo de apoio o presidente peruano pode antecipar do Força Popular, o histórico partido da família Fujimori que, dois dias antes do perdão ao seu patriarca, salvou Kuczynski de uma destituição quase certa – daí os sinais de que o perdão tenha sido a moeda de troca do presidente para se salvar.

Os próprios Fujimori atravessam uma guerra interna. Uma das ações cruciais para salvar Kuczynski partiu do filho mais novo do antigo presidente, Kenji, mas o próprio processo de impeachment foi iniciado pela irmã, Keiko, a candidata presidencial que perdeu para Kuczynski. Esta quinta, num dia em que tanto Keiko como Kuczynski foram ouvidos por procuradores anticorrupção que investigam montanhas de subornos dados pela construtora brasileira Odebrecht, Kenji exigiu a demissão dos assessores da sua irmã, publicando nas redes sociais uma fotografia de Uma Thurman no filme “Kill Bill”, armada com uma espada e ensanguentada.