Irão acusa inimigos externos de provocarem agitação

Os protestos que começaram na quinta-feira continuam, bem como a violência. O balanço aumentou com mais nove mortos e coloca o total em 21. O aiatola Ali Khamenei veio acusar o Ocidente de estar a fomentar a desestabilização. Trump garante que “os EUA estão atentos!”

O supremo líder do Irão acusou ontem os inimigos da República Islâmica de estarem a fomentar a instabilidade e a instigar as manifestações que desde quinta-feira marcam o quotidiano do país. Protestos que têm subido de intensidade e de violência, violência esta que resultou em mais nove mortos na segunda-feira, aumentando para 21 o total de vítimas mortais.

“Nos incidentes dos últimos dias, os inimigos do Irão utilizaram vários meios – incluindo dinheiro, armas, aparelhos políticos e de inteligência – para criar problemas ao governo islâmico”, afirmou o aiatola Ali Khamenei.

O supremo líder, a mais alta figura do Estado no Irão, não nomeou quem eram esses inimigos, mas o secretário do conselho supremo de segurança nacional, Ali Shamkhani, em declarações a um canal de televisão libanês, citado pelo Guardian, acusou a Arábia Saudita de estar envolvida na difusão de mensagens instigadoras através das redes sociais.

Os protestos de opositores do presidente na quinta-feira, em Meched, no nordeste do país, e que visavam chamar a atenção para os problemas económicos, a falta de perspetivas de emprego, o aumento do custo de vida, rapidamente se espalharam ao resto do país. E à medida que foram ganhando em dimensão foi endurecendo a reação das forças da autoridade, entre polícia e guardas da revolução.

Começou com dois mortos no sábado, mais dez no domingo e outros nove na segunda-feira, incluindo uma criança de 11 anos que passava com o pai junto a uma manifestação – o pai ficou ferido no incidente. Mais de 450 pessoas foram presas só em Teerão, desconhecendo-se o número de detidos em outras partes do país.

Se o presidente Rouhani procurou ser firme e conciliador, dizendo que a perturbação da paz social e a destruição de propriedade pública não seriam toleradas, ao mesmo tempo que reconhecia razão aos manifestantes, devido às dificuldades económicas e à necessidade de maior abertura, falando em transformar as ameaças em oportunidades.

Há sinais de que o regime está a perder a paciência à medida que os protestos continuam. Ontem um juiz ameaçou que os manifestantes detidos podem ser condenados à pena de morte. E, mesmo assim, estes continuam a emergir em várias partes do país aparentemente sem coordenação, até porque o governo decidiu bloquear as redes sociais desde sábado, para impedir a circulação de informação.

As lembranças dos protestos do movimento verde (2009-2011) ainda estão muito presentes. Na altura, a mobilização nas ruas chegou a fazer pensar que a Revolução Islâmica, conservadora, monolítica, tinha os dias contados como tal. O regime não caiu então, mas as brechas podem reabrir. Daí a dureza.

Até porque aquilo que começou como protesto contra a carestia e o aumento do preço dos alimentos, acendeu um rastilho de múltiplos reclamos, inclusivamente políticos, com palavras de ordem contra o governo e o supremo líder – faísca em terra seca.

“A agitação nas ruas é rara no Irão e compreendê-la tornou-se um jogo de espelhos. Um governo nervoso culpa estrangeiros e uma série de grupos de oposição e ativistas esperançados projetam as suas ideologias e sonhos naquilo que, normalmente, são exigências sérias de maior prestação de contas por parte do governo, menos disparidade na distribuição da riqueza e menos corrupção”, escrevia ontem a jornalista e escritora Azadeh Moaveni no Gulf News.

As palavras de ordem podem incluir muitas vezes “morte ao…” e a seguir às reticências incluir desde o supremo líder, ao presidente, a um ente único chamado ditador, e isso não ser mais do que um condicionamento mental: um grito habitual nas manifestações da República Islâmica. “Há quase 40 anos que os iranianos estão condicionados a gritar instintivamente ‘morte a’ alguém quando estão enfurecidos”, explica ainda Moaveni, tornando mais difícil interpretar o que realmente desejam agora.

Sanções Entretanto, os Estados Unidos ameaçaram ontem com a possibilidade de novas sanções, caso o governo iraniano continue a reprimir os manifestantes, disse a conselheira de Donald Trump, Kellyane Conway, em entrevista à Fox News.

O presidente dos EUA voltou a recorrer ontem ao Twitter para falar da situação iraniana, isto apesar de Susan Rice, antiga conselheira nacional de segurança, ter aconselhado o presidente, num artigo publicado no “New York Times”, que a melhor forma de ajudar os iranianos é manter-se calado.

Trump preferiu acusar o seu antecessor na Casa Branca de ter contribuído para financiar o terrorismo ajudando financeiramente o Irão: “Todo o dinheiro que o Presidente Obama tão disparatadamente lhes deu foi para o terrorismo a para os seus ‘bolsos’.” E ainda deixou uma ameaça velada: “As pessoas têm pouca comida, alta inflação e nenhuns direitos humanos. Os EUA estão atentos!”

Também a França se referiu oficialmente à situação, sublinhando o Ministério dos Negócios Estrangeiros, citado pela AP, que “o direito a protestar livremente é um direito fundamental” e que a situação dos direitos humanos será uma questão prioritária na agenda de discussões com as autoridades iranianas. O ministro dos Negócios Estrangeiros Jean-Yves Le Drian tem uma visita oficial ao Irão marcada para sexta-feira, mas o ministério não confirmou se a a mesma se mantém ou será cancelada.