Aquilo que se passou esta semana e o modo como a liderança parlamentar do PSD manchou a saída de Pedro Passos Coelho é sintomático de todo o seu percurso enquanto presidente do partido, em particular enquanto na Oposição: longe da opinião pública, indiferente (ou aparentemente indiferente) ao sentimento institucional alheio, impermeável à conjuntura, silencioso. Tudo condições imperativas para um estadista digno desse rótulo, tudo características que ajudaram a tirar Portugal da bancarrota, tudo virtudes que esta coluna louvou e continuará a louvar enquanto Passos estiver na vida política.
Mas foi também essa teimosia, generalizando a enumeração, que o condenou enquanto líder de Oposição. A estabilidade essencial a um primeiro-ministro chocou de frente com a ausência de flexibilidade que precisava após deixar São Bento. Eu não o culpo por isso e a impressão que colho junto do partido também não. Na sua despedida parlamentar ouvi muitos dizerem: «Houve uma altura [no Governo entre 2011 e 2015] em que só ele acreditava». Criticar Passos por esse isolamento, cuja crença reergueu o país, seria desonesto. Quase tão desonesto quanto afirmar que não foi esse mesmo isolamento que o condenou quando de volta à Oposição.
Passos, admita-se, cometeu o pecado capital da política portuguesa: escolheu dizer a verdade aos portugueses. Não entrou na savana populista. Isso é de uma coerência enorme, sim, mas proporcional à frustração que é ter sido essa coerência a deixar outros governarem. E aí pergunto: de que serve a coerência em política se nos condena ao não exercício da política? Para dormirmos de consciência tranquila? Dormirá Passos de consciência tranquila com António Costa no poder? Duvido.
Ao contrário do que alguns defendem, eu não acredito que tenha sido essa tão salutar coerência (a que também podemos chamar dignidade) a fazer com que o PSD ganhasse as eleições em 2015, depois de livrar Portugal da intervenção externa – até porque se a coerência fosse um ativo político em Portugal teríamos outro chefe de Estado.
Do meu ponto vista, por outro lado, a inesperada vitória da coligação PàF tem uma explicação mais pragmática e simples: o eleitorado ainda não confiava no Partido Socialista depois da crise em que este havia deixado o país em 2011.
É, hoje, bastante evidente que tal já não acontece. E as razões para isso derivam, ironicamente, de Marcelo Rebelo de Sousa. A partir do momento em que o Presidente da República apadrinhou a solução de Governo conhecida como ‘geringonça’, o PS deixou de ser o partido de José Sócrates, acusado de corrupção e homem que chamou a troika, para ser o partido levado ao colo pelo político mais popular do país: Marcelo.
A dignidade, claro, fica com Passos. Os outros ficam a governar.