Sempre que membros do governo “vão a uma urgência escondem-se os doentes em qualquer sítio, até debaixo de escadas”. A denúncia é de Ana Rita Cavaco, Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, em declarações ao i. “Não é a esconder a verdade que vamos resolver o problema. É muito triste que isto aconteça”. Uma prática que os enfermeiros do Hospital de Faro também denunciaram numa carta tornada pública este fim de semana. “Tudo muda quando somos visitados pela comunicação social num mágico ‘empurrar de gente doente para baixo do tapete’ e em que parece tudo ser apenas ‘mais um pico de afluência’”, pode ler-se no documento.
As denúncias de situações de caos nas urgências dos serviços de saúde públicos nacionais têm sido inúmeras nos últimos dias. Um desses casos foi o do Hospital de Faro, quando um conjunto de enfermeiros enviaram uma missiva à presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA) a denunciar a incapacidade de resposta do serviço e o risco que representa para os utentes. Na mesma nota, alertam para a insuficiência de enfermeiros. Na carta, não assinada pelos enfermeiros por medo de possíveis represálias, pode ler-se que a “crescente degradação das condições assistenciais (…) arrasta-se há mais de dois anos”, em que os doentes são sujeitos a “condições deploráveis”. Uma situação que segundo os enfermeiros acontece “com conhecimento e conivências do CA [Conselho de Administração” do hospital.
Segundo os autores, os “doentes estão submetidos a autênticas torturas dias e dias”. Desde logo por estarem “confinados num ambiente altamente contaminado e saturado” sem janelas, mas também por não terem privacidade e não receberem as refeições a tempo e horas. Tudo num espaço restrito onde as macas disputam entre si cada metro quadrado como se de um jogo de “tetris de macas” se tratasse. “É-lhes negada dignidade”, denuncia ainda a carta pública. Para corroborarem as denúncias, os enfermeiros anexaram algumas fotos ao documento, que rapidamente se tornaram virais nas redes sociais. Nestas, confirma-se a descrição feita na carta, onde sós, “mas rodeados de tanta gente”, “muitos [doentes] morrem sozinhos”. Numa sala com “capacidade para 24 [doentes]”, chega-se quotidianamente a “60, podendo inclusive ultrapassar os 80”.
Ontem não foi possível contactar o conselho de administração do hospital e o chefe de banco não quis prestar declarações à comunicação social.
Guarda Para a bastonária, a falta de verbas e de recursos humanos são generalizados em todos os hospitais do país. “Não é apenas falta de enfermeiros, mas também falta de condições estruturais por os equipamentos estarem velhos”, assegurou. Em comunicado, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses também denunciou a falta de enfermeiros e investimento na Unidade Local de Saúde da Guarda. Ainda em dezembro a estrutura sindical tinha pedido a contratação de 350 enfermeiros para suprir as necessidades dos serviços. “Os problemas agudizam-se e aumenta a sobrecarga de trabalho em diversos serviços”, pode ler-se do documento.
O SEP sublinhou ainda que em alguns serviços, como é o caso do Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica da Guarda, “um elevado número de utentes” está à “responsabilidade de apenas um enfermeiro”. Uma situação semelhante, portanto, à exposta pelos enfermeiros do Hospital de Faro.
Numa carta enviada ao ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, o Sindicato afirmou que a “realidade contraria as prioridades do Ministério da Saúde no que diz respeito à falta de enfermeiros”.
Ontem, o primeiro-ministro António Costa anunciou a contratação de mais enfermeiros para reforçar a “capacidade acrescida de resposta” durante o período de frio e gripe. Contudo, o governante não referiu quantos enfermeiros serão contratados, relegando a resposta para o “diálogo permanente entre o Ministério da Saúde e o Ministério das Finanças”. Para Costa, o governo tem “conseguido responder adequadamente à situação”.
Cativações Ana Rita Cavaco não tem dúvidas quando responsabiliza as cativações pela mais recente degradação do SNS. “Nunca – nem mesmo durante a troika – ninguém ousou fazer cativações numa área tão sensível como a Saúde”, afirmou. “Há áreas onde não podemos mexer por implicarem a vida e a dignidade de quem se dirige à Saúde pública”, considera.
A bastonária confia que a degradação do SNS está a ser uma fonte de lucro para os privados. “Não há dinheiro para contratar enfermeiros, não há dinheiro para novos equipamentos, mas quanto é que o senhor ministro está a gastar nos doentes que está a ter de enviar para o privado?”, questiona. “Mais valia contratarem-se mais enfermeiros e reorganizarem-se os serviços como deve ser”, concluiu.