Desde 2012, ano sobre o qual incide a investigação em curso do Ministério Público, que a Fundação O Século recebeu do Estado mais de seis milhões de euros em subsídios. A estas verbas somam-se ainda mais de 600 mil euros em donativos.
De acordo com os relatórios de contas da Fundação, publicados no site, entre 2012 e 2016, o último ano em que há registo, a fundação recebeu mais de cinco milhões de euros (5.066.131,25 euros) de várias entidades do Estado. É o caso do Instituto de Segurança Social, do IEFP, da Câmara de Cascais e de outras autarquias ou do Fundo Social Europeu. A este valor somam-se ainda as verbas transferidas durante 2017, que ainda não foram publicadas pela instituição.
Em donativos, a Fundação O Século recebeu mais de meio milhão (616.350,31 euros) entre 2012 e 2016, de acordo com os mesmos relatórios consultados pelo SOL.
E além dos donativos e do apoio estatal, desde 2012 que a Fundação tem as receitas que resultam da concessão da exploração de uma estação de serviço da BP em Moscavide, sendo que a petrolífera pagou oito milhões de euros à instituição assim como uma renda anual. A isto soma-se ainda um apoio da Câmara de Lisboa de um milhão de euros, de forma a compensar as verbas da extinta Feira Popular, cujas receitas eram enviadas à Fundação.
Com todos estes apoios, o último relatório de contas revela que em 2016 a Fundação tinha um passivo que ultrapassava os seis milhões de euros.
Buraco financeiro que o presidente da fundação Emanuel Martins – que ocupa o cargo há 18 anos – justifica, em declarações à Lusa, com a necessidade de fazer «obras profundas» para criar condições para as atividades necessárias para a obra social.
A seguir à associação Raríssimas, é agora a Fundação O Século a estar debaixo de fogo por alegada má gestão de dinheiros públicos depois de a sua sede, em São Pedro do Estoril, ter sido alvo de buscas da PJ durante esta semana. De acordo com o comunicado da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, estão a ser investigadas suspeitas de crimes de «peculato e abuso de poder» em «prática de condutas ocorridas entre 2012 até à presente data». Foi apreendida documentação contabilística e financeiras, atas relevantes para o objeto da investigação e ainda 20 contratos de trabalho de funcionários. As suspeitas recaem sobre o presidente, Emanuel Martins, e o vice-presidente da fundação, João Ferreirinho.
Presidente já tinha sido implicado por má gestão
Questionado pelo SOL, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social diz que já em 2016 a Fundação tinha sido alvo de uma auditoria jurídico-financeira por parte do Instituto de Segurança Social, na sequências de denúncias. Perante os resultados da auditoria, em dezembro de 2016, a tutela de Vieira da Silva decidiu remeter o relatório ao Ministério Público, disse ao SOL fonte oficial do Ministério.
Aos jornalistas Emanuel Martins diz que está «de consciência tranquila» e que «todos os cartões de crédito são dados com uma finalidade», garantiu.
O presidente da Fundação foi vereador da Câmara de Oeiras pelo PS ao mesmo tempo que era presidente do conselho de administração de uma empresa intermunicipal de materiais de construção, a LEMO (detida em 80% por Oeiras e 20% por Cascais). Em 2008, Emanuel Martins foi considerado culpado pelo Tribunal de Contas por várias ilegalidades detetadas que foram aprovadas pelo município. A LEMO acabou por fechar.
Emanuel Martins foi ainda deputado pelo PS à Assembleia da República entre 2000 e 2002 e presidente da comissão política da concelhia socialista em Oeiras, entre 1996 e 2008.
É presidente da fundação o Século desde 1999, assumindo o cargo um ano depois de a associação ter passado a Fundação. Antes, O Século era uma associação criada em 1927 por João Pereira da Rosa, na altura diretor do jornal O Século, para fazer obra social através de uma colónia balnear infantil.
Emprego para sete familiares
O i teve acesso a uma denúncia de trabalhadores da fundação, com cerca de dois anos e que o SOL sabe que foi enviada ao Bloco de Esquerda, que revela que Emanuel Martins terá aproveitado as suas funções para criar postos de trabalho para sete familiares e para amigos, fazendo uma gestão «danosa e ruinosa». Trata-se de postos de trabalho dentro da Fundação ou até mesmo em empresas como infantários, lavandarias, operadoras de turismo ou empresas de take–away que foram criadas «injetando capital na instituição».
Segundo a denúncia, há ilegalidades nos contratos celebrados. Os familiares em causa são filhos de Emanuel Martins: Cláudia Martins, que é secretária do presidente, e Mário Martins, que é responsável de armazém. De acordo com a denúncia, a filha de Emanuel Martins «por vezes é alegadamente promovida a chefe do gabinete da presidência, passando, nesse período, a administração executiva (composta pelo presidente e vice-presidente) a ter três secretárias».
Já o filho «começou como vigilante, mas agora faz o inventário e a triagem de tudo o que é doado à fundação».
Também a mulher do presidente da Fundação, Fernanda Martins, está alegadamente entre as funcionárias como responsável pela equipa de limpezas, tendo deixado a empresa de seguros D’O Século.
Pelo meio, Emanuel Martins terá dado também emprego a dois enteados. Carlos Mártires, que é diretor-geral, entrou na fundação «como diretor de compras e foi promovido em 2015 a uma nova categoria criada para o efeito, com direito a aumento salarial». Em conversas de corredor era apontado como o sucessor do presidente da Fundação.
O outro enteado é Nuno Mártires, que é o responsável pela manutenção, secção onde há trabalhadores «com anos de casa».
Uso de dinheiros da fundação
Ainda dentro do raio familiar, entre os trabalhadores encontram-se as duas noras de Emanuel Martins: Carla Teixeira, que é responsável pela empresa de take-away, e a nutricionista Vanessa Fernandes que, segundo a denúncia, «recebe um salário por criar os menus servidos na Fundação, sendo os mesmos há anos», e aparece no local de trabalho, «se tanto, duas vezes por ano».
Apesar de registar um passivo crescente desde 2012, de acordo com os relatórios de contas da fundação, publicados no site, e das várias notícias publicadas nos últimos anos com Emanuel Martins a alertar para a falta de verbas da instituição, que recebe dinheiros públicos do governo.
Na denúncia lê-se que «a família abastece os respetivos carros à conta do cartão-frota da fundação». Levam ainda, alegadamente, «frequentemente comida para casa sem pagar por isso». Também «os aniversários festivos, como o dos netos do presidente, são celebrados na instituição, com comida e bebida doada ou que se destinava aos utentes, utilizando os recursos da instituição».
Além disso, «a equipa de manutenção é muitas vezes chamada à casa do presidente ou dos seus familiares para ali trabalhar, levando materiais da própria fundação, em claro prejuízo da instituição» – o que, garantem os denunciantes, não acontecia antes de o enteado do presidente assumir o cargo.