O país europeu que nos últimos anos mais apregoou, junto dos seus pares, os benefícios da estabilidade política, pode estar prestes a ultrapassar um inédito cenário de crise governativa, mais de cem dias depois das suas últimas eleições legistativas. O último dia das conversas «exploratórias», iniciadas na segunda-feira, entre a União Democrata Cristã (CDU na sigla em alemão) – acompanhada pela União Social-Cristã (CSU), partido gémeo da Baviera – e o Partido Social-Democrata (SPD), foi uma verdadeira maratona de negociações entre Angela Merkel e Martin Schulz, na sede dos sociais-democratas, que culminou num princípio de acordo para a renovação da ‘grande coligação’ que governou a Alemanha nos últimos quatro anos.
Na manhã desta sexta-feira a imprensa alemã revelou as traves mestras do compromisso assumido pelos dois partidos mais votados nas eleições de setembro, que, para além de conter entendimentos sobre os temas mais contestados por ambas as partes, permite a passagem à segunda fase das negociações.
O documento de 28 páginas que oficializa o pacto alcançado por CDU/CSU e SPD determina, logo no preâmbulo, que é intenção de todas as forças políticas envolvidas formar um «Governo estável», que abra caminho para «um novo começo para a Europa» e que «fortaleça a coesão social».
Relativamente ao futuro da União Europeia, Merkel e Schulz comprometem-se em reforçar a zona euro, aumentar a contribuição alemã para o orçamento comunitário, lançar as raízes para a transformação do Mecanismo Europeu de Estabilidade num fundo monetário, monotorizado pelo Parlamento Europeu, e pressionar os Estados-membros a implementar medidas com vista a uma maior igualdade na folha de salários dos europeus.
Quanto à imigração, foi definido um tecto máximo para a entrada de refugiados em solo alemão, situado entre as 180 mil e as 220 mil pessoas por ano e foi ainda decidido que o programa de reunificação de famílias de refugiados vai permanecer suspenso durante mais algumas semanas. Uma vez em vigor, fica limitado às 1000 entradas por ano.
A chanceler e o ex-presidente do Parlamento Europeu acordaram ainda que não haverá uma subida da tributação às grandes fortunas, que irão abrir caminho para tornar a educação gratuita desde a escola infantil, e que se comprometem a cortar as emissões de dióxido de carbono em 55% até 2030.
Regresso à normalidade?
O compromisso alcançado por democratas cristãos e sociais-democratas parece colocar na gaveta dois cenários que seriam inéditos na História política do pós-guerra, mas que ganharam corpo com o falhanço das negociações entre a CDU, os liberais e os Verdes: a constituição de um Governo minoritário, liderado por Merkel; ou a realização de novas eleições, para se desatar o nó.
As negociações ainda conhecerão novos desenvolvimentos nas próximas semanas e o seu desfecho ainda terá de ser aprovado pelos militantes do SPD, mas as piores previsões ficam-se, até ver, por aqueles que as sugeriram há uns meses.
Recorde-se que a CDU venceu o ato eleitoral de setembro, mas perdeu a maioria no Parlamento alemão, fruto dos quase 1 milhão de votos transferidos para outras forças políticas – com o partido de extrema-direita AfD à cabeça. Já o O SPD ficou em segundo lugar e obteve o pior resultado de sempre na sua História. Schulz rejeitou renovar a ‘grande coligação’, com promessas de levantar o partido, mas acabou por voltar atrás, face à indecisão política que a Alemanha atravessa e que tanto estranha.