Raquel Ralha & Pedro Renato – "The Devil's Choice"
Nunca é tarde para se ter uma adolescência feliz
Agora que os anos 90 estão em tempo útil de nostalgia, há quem suspire por um reencontro dos Belle Chase Hotel, aliás saciado numa mini-digressão de finais de 2010. Enquanto o sol de Sunset Boulevard não volta a banhar Coimbra, o núcleo pode estar separado mas não desligado. Nos WrayGunn ou com Legendary Tigerman, e nos Mancines, há uma tradição resiliente aos tempos e às mudanças. A cantora e corista Raquel Ralha faz parelha com o guitarrista e compositor Pedro Renato num primeiro volume de canções alheias interpretadas à sua maneira. Chamar-lhe álbum de versões é pouco para a extensão pessoal de “The Devil’s Choice”. Uma coleção de memórias da música que inspirou os aprendizes de outros ofícios a não querer seguir as pisadas dos pais – é quase sempre assim o prólogo da história –, de Siouxsie & The Banshees, Pixies, Doors, Nick Cave, Leonard Cohen, John Lennon, Peter Murphy e Pink Floyd. O par foi capaz de criar um universo pessoal sobre terceiros. O passado é um país distante, pena a previsibilidade da seleção.
Black Rebel Motorcycle Club – "Wrong Creatures"
Corrida de resistência
É tentador resgatar o hino “Whatever Happened To My Rock’n’roll?” e colocar uma tabuleta com a pergunta. Que se passou afinal? No caso dos Black Rebel Motorcycle Club, ele sempre esteve omnipresente. Quando o campo estava inclinado e encarnavam o espírito de Robert Johnson no manto ruídoso dos Jesus & Mary Chain; ou quando o retro-revivalismo do pós-punk perdeu o clamor por falta de frescura. Aos BRMC, ninguém pode acusar de oportunismo. Ao segundo ato “Take Them On, On Your Own” já estavam de partida para a deserção e na lonjura ficaram. A passagem do tempo ajudou a clarificar o ato de coragem que é estar de coração numa banda de rock’n’roll. “Wrong Creatures” não tem os melhores rasgos de guitarra, não vai gerar hinos como “Spread Your Love” nem a compaixão coletiva de “Red Eyed and Tears” mas para uma banda que nos anteriores “Beat The Devil’s Tattoo” e “Specter At The Feast” sugeriu um declínio criativo, “Wrong Creatures” é um respirar debaixo de água e um fôlego necessário à sobrevivência.
Van Morrison – "Roll With The Punches"
Lugares comuns
Há coisas que não mudam. Nem têm porque! “Roll With The Punches”, o 37º (!) álbum de Van Morrison é um itinerário blues, um dos ângulos favoritos de uma obra quase infinita. 70 minutos incansáveis de tradição americana onde se inclui sem nada mais a acrescentar do que a reverência. Não é preciso. “A parte dos blues é que não se dissecam, fazem-se”, comenta em comunicado de apresentação. Confere. “Roll With The Punches” é todo ele impulso, vontade e desassom,bro. Apesar de ser o primeiro longa-duração integral de blues, essas marcas estão espalhadas pelo imenso catálogo de Van Morrison. Por isso, nada se passa de anormal ou contra natura. É território familiar onde visita alguns dos primeiros ídolos. Um tributo a heróis que o inspiraram a ser quem é, como Bo Diddley, Mose Allison, Sister Rosetta Tharpe e Lightnin’ Hopkin, e um auto de boa conservação. Este Van Morrison está para as curvas e desliza ao longo de hora e dez por carris com história sem conter a homenagem nem a autobiografia.