Vamos a questões: se já era política e moralmente questionável os portugueses verem governar os mesmos ministros que (1) faliram o país e (2) eram chefiados por um primeiro-ministro hoje acusado de corrupção, até que ponto é saudável o atual Governo decidir o futuro da Procuradora-Geral da República que acusou José Sócrates?
A pergunta será prontamente acusada de «politizar a justiça» e a resposta desta coluna é muito simples: quem criminalizou a política é que politizou – e continua a politizar – a justiça.
Para a ministra dessa pasta, Francisca van Dunem, a Constituição prevê «um mandato longo e um mandato único» para a PGR, apesar de nenhum constitucionalista subscrever esta teoria – à exceção de um jurista chamado António Costa. Não há nada na Constituição que impeça a renovação de mandato de Joana Marques Vidal, como aliás notou depois o insuspeitíssimo Carlos César, e a antecipação deste debate é desnecessária, como a reação de Marcelo Rebelo de Sousa deu a entender. Afinal, a nomeação é da responsabilidade do Presidente e não fica nada bem a este Governo excluir a possibilidade de renomeação de Joana Marques Vidal.
Aconteça o que acontecer, há algo que fará sentido, tanto para o Palácio de Belém como para a justiça em Portugal. O nome proposto ao Presidente deve ter aval dos dois maiores partidos parlamentares. Não apenas para proteger o PS de si próprio – e do seu seu passado –, como para impedir qualquer força política de se declarar «perseguida» pelo Ministério Público no futuro, se excluída da escolha da PGR.
Não deixa, por outro lado, de ser peculiar que a primeira personalidade pública a colocar em causa a continuidade de Joana Marques Vidal tenha sido Rui Rio, no debate televisivo com Pedro Santana Lopes em que avaliou negativamente a atuação recente do MP e recusou falar sobre a possibilidade de renomeação de Marques Vidal.
A questão fundamental, porém, não é essa.
No debate parlamentar em que o PSD confrontou Costa com as considerações de Van Dunem – para mim, o primeiro debate que Hugo Soares ganhou claramente a Costa –, o primeiro-ministro disse: «É difícil encontrar alguém que ao longo de toda a sua vida mais escrupulosamente tenha respeitado a autonomia do Ministério Público do que eu próprio». E eu a isto tenho a relembrar o seguinte: estávamos em 2003, em pleno escândalo Casa Pia, e Costa, então líder parlamentar, dizia a Paulo Pedroso «já fiz o contacto» e Pedroso, também em escuta, confirmava que «o procurador-geral disse ao António que achava que já tinha ido tudo para o TIC».
Talvez o primeiro-ministro deseje, então, rever as suas palavras, na medida em que não é assim tão «difícil encontrar alguém que ao longo de toda a sua vida mais escrupulosamente tenha respeitado a autonomia do Ministério Público».