Catalunha. Entre o videopresidente e a bota de Madrid

Carles Puigdemont insiste que a maioria independentista deve nomeá-lo como novo presidente da Catalunha, o PP ameaça continuar com o 155

Há uns meses, o comediante dos EUA Stephen Colbert comentava, no seu “The Late Show”, as originalidades da democracia espanhola. Fazia notar que havia uma crise em Espanha: o parlamento catalão tinha feito uma declaração de independência; que, em resposta, as autoridades espanholas tinham preso oito líderes do governo catalão e que o presidente da Catalunha se tinha refugiado na Bélgica; finalmente, que o governo espanhol tinha dissolvido o parlamento catalão e decidido convocar eleições livres, legais e limpas para restaurar a democracia. Concluía Colbert dizendo que nada rimava melhor com democracia do que prender toda a gente eleita pela população.

E assim foi feito: foi aplicado o artigo 155, que suspendeu a autonomia catalã, e ficou a governar a região o governo de Espanha do PP. Foram convocadas eleições, com a particularidade de os primeiros das listas dos dois principais partidos independentistas estarem presos ou exilados, não podendo participar na campanha. Apesar disso, 83% dos eleitores foram às urnas e voltaram a dar maioria absoluta de deputados aos três partidos independentistas.

A primeira sessão parlamentar está marcada pelo presidente do governo de Espanha, Mariano Rajoy – que atualmente governa a região, apesar de o seu partido ter tido apenas 4,24% dos votos e não ter tido sequer eleitos para formar um grupo parlamentar – para dia 17 de janeiro. 

Em reunião tida na semana passada, os dois partidos independentistas mais votados, JxC e ERC, apontaram que desejavam que Carles Puigdemont fosse indigitado presidente. 

Vários pequenos problemas se colocam: Puigdemont tem um mandado de captura caso reentre em Espanha. As autoridades, com receio da sentença da justiça belga, retiraram o seu pedido de entrega europeu, mas o mandado mantém-se. Parte dos deputados independentistas, nomeadamente o líder da ERC, Oriol Junqueras, e o antigo presidente do movimento social mais poderoso da Catalunha, a Assembleia Nacional Catalã, e número dois na lista de Puigdemont, estão presos, portanto impossibilitados de ir ao parlamento. 

Ao mesmo tempo que isso acontece, a acusação do Estado, dependente hierárquica e funcionalmente do Ministério da Justiça espanhol, divulga estar a investigar mais de 100 políticos independentistas, muitos deles deputados, pelos crimes que imputa aos presos: rebelião e sedição. Não importa muito à acusação do Estado, à polícia e aos tribunais que, por exemplo, o crime de rebelião, que pode custar uma prisão de 30 anos, pressuponha, segundo a lei espanhola, a execução de atos de violência armada. O que parece pretender-se é que, apesar de os independentistas terem voltado a ganhar as eleições em condições absolutamente excecionais, pelo tipo de repressão e falta de garantias democráticas, eles possam não ter sequer o número de presentes para empossar a maioria de deputados no parlamento. 

No meio disso tudo, o governo de Madrid aparenta preferir manter a instabilidade e continuar com o artigo 155 a permitir a manutenção de um governo independentista – ainda que muitos dos líderes desses partidos já tenham declarado que defendem a “independência”, mas só nos seus sonhos, porque, mais do que isso, parece que dá prisão em Espanha. 

No dia 17 de janeiro abre-se uma nova fase na Catalunha. Há só uma certeza: o governo de Madrid continua a recusar–se a dialogar com os independentistas e, numa sondagem do pró-Ciudadanos “El País”, este partido ganharia as eleições a nível de toda a Espanha caso Rajoy caísse.