Margarida nunca quer tomar banho, recusa-se a comer a sopa, dá palmadas à avó quando é contrariada e diz sempre que não quando a mãe lhe pede para arrumar os brinquedos que ficaram espalhados na sala.
Comportamentos como estes, repetidos todos os dias, levaram esta família a pedir ajuda à “Supernanny”, ou melhor, a Teresa Paula Marques, a psicóloga escolhida pela SIC para encarnar a figura que promete acabar com as birras e mudar maus comportamentos.
O formato é simples: primeiro mostram imagens do comportamento indisciplinado da criança e é nessa altura que entra em ação a ‘supernanny’, que avalia ao vivo a interação familiar, dá dicas à família de como lidar com as birras e impõe regras, à partida inexistentes ou ineficazes.
O programa foi visto por mais de 1,5 milhões e pessoas, mas o verdadeiro burburinho sobre o tema chegou depois. As redes sociais encheram-se de comentários reprovadores ao formato escolhido e que mais não é que uma cópia do programa emitido originalmente no Reino Unido, em 2004, e que já foi replicado em vários países.
Foram muitos os que se mostraram desagradados com aqueles 45 minutos em que Margarida, de sete anos, é filmada a chorar, a sair do banho, a recusar comer ou a espernear por não querer ir para a cama.
Oficialmente, a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) foi a primeira a reagir, alertando para o “elevado risco do programa violar os direitos das crianças, designadamente o direito à sua imagem, à reserva da sua vida privada e à sua intimidade”. A comissão encaminhou a situação para a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) com competência territorial para avaliação e acompanhamento do caso.
Mas antes disso, em março de 2016, já a Ordem dos Psicólogos tinha dado parecer negativo a um pedido da produtora do programa “Supernanny”, por considerar que “a intervenção psicológica não deve ser associada a programas onde se exponham publicamente casos particulares”.
Reações O Instituto de Apoio à Criança associou-se imediatamente à CNPDPCJ e considera o programa “uma violação do direito de uma Criança à sua imagem e à intimidade da sua vida privada”. Em comunicado, o Instituto explica que foi alertado por “diversas associações e personalidades” para o programa, “em que se assiste a situações de conflito entre uma criança e sua mãe, ocorridas em contexto privado, as quais foram exibidas em horário nobre num canal televisivo de grande audiência, o que decerto causará sérios prejuízos à imagem da criança vítima da exposição pública”.
Também a UNICEF já reagiu ao programa, considerando que “vai contra o interesse superior das crianças, violando alguns dos seus direitos”. Após analisar o conteúdo, a diretora Executiva da UNICEF Portugal, Beatriz Imperatori, pede ao Estado “para que tome as medidas necessárias para proteger a criança e o seu bem-estar”.
SIC defende-se Entretanto, a ERC confirmou que também recebeu queixas sobre o programa, esclarecendo que “os textos versam essencialmente sobre uma alegada violação de direitos fundamentais”.
A SIC, também em comunicado, começa por lembrar que o programa “Supernanny” foi criado com o objetivo de “auxiliar pais e educadores a melhorarem a relação com os seus filhos, ajudando-os a estabelecerem regras e limites e melhorando a comunicação entre todos, criando assim uma dinâmica familiar mais saudável”.
O canal, mune-se da experiência do programa noutros países para garantir que “o ‘Supernanny’ não gera efeitos negativos ou de censura em ambiente escolar e social, antes contribuindo para uma melhoria significativa da qualidade de vida familiar”. Lembra ainda que o programa foi produzido e exibido no cumprimento da lei e reforça que “são abordadas situações reais, ocorridas em ambiente familiar, de um modo responsável, não exibicionista e sem explorar situações de particular fragilidade”.