“A Hora Mais Negra” não é um filme sobre a evacuação de Dunquerque nem sobre a biografia de Winston Churchill, ainda que ambos estejam presentes.
Do realizador de “Orgulho e Preconceito”, com argumento de Anthony McCarten (“A Teoria de Tudo”), a “Hora Mais Negra” é a terceira longa-metragem sobre este tempo histórico a ser exibida em 2017 – em Portugal no início de 2018.
Além de simplesmente “Churchill”, aí transportado para o ecrã por Brian Cox, e de “Dunkirk”, de Christopher Nolan, a série da Netflix “The Crown” apresenta um formidável retrato do estadista britânico, particularmente raro na medida em que nos traz um Churchill em paz, já em 1951, quando ganha a sua primeira eleição nas urnas.
“A Hora Mais Negra”, por outro lado, remete para o tempo da Segunda Guerra Mundial em que os Estados Unidos tardavam em entrar no conflito ainda continental, e o Reino Unido se encontra sozinho, cercado dessa vez por mais do que água.
Assumindo a liderança de um governo de salvação nacional por ser o único conservador tolerado por trabalhistas, Winston tem os generais, o seu próprio partido e o III Reich contra si a início. Um dos parlamentares ‘tory’ chega mesmo a lamentar: “Temos um bêbado ao volante, a quem eu nem emprestava uma bicicleta”.
Lord Halifax, seu rival, ministro dos Negócios Estrangeiros e próximo da doutrina favorável a negociar com Hitler, é curiosamente interpretado pelo mesmo ator que pinta o retrato de Churchill no já referido “The Crown”, o londrino Stephen Dillane.
Apesar de ser possível olhar “A Hora Mais Negra” como a resolução do triplo conflito (sucesso militar, sucesso político, esperança europeia), a luta mais simbólica não é a mais evidente. O arco do personagem é de Halifax, que vai de conspirador contra Churchill (“Como vamos parar Hitler? Com palavras, palavras, palavras e só palavras?!”) a rendido à prosa de Churchill (“Ele imortalizou a língua inglesa. E enviou-a para a batalha”).
O filme, todavia, perde por julgar que a elevação dessa conversão serve a seriedade que a história merece.
A consultadoria histórica a que sem dúvida foi submetido (sim, é verdade que o pai de Churchill, Lord Randolph, não foi antes primeiro-ministro por sofrer de sífilis) anula-se em tentações cómicas, algo irrisórias. Churchill foi pedir lume ao metro enquanto o gabinete de guerra reunia? Churchill de roupão e pantufas a passear-se entre os funcionários no rés-do-chão de Downing Street? Não há limites para o lirismo, até no cinema? As imperfeições do homem e as suas dúvidas não são disfarçadas. Contudo, e lamentavelmente, mais no que fez (ou se filmou a fazê-lo) do que naquilo em que acreditava.
Assim como “A Dama de Ferro”, com a também consagrada Meryl Streep, “A Hora Mais Negra” é outro ‘biopic’ com os melhores momentos concentrados numa tensão bélica – este no Canal da Mancha e na Câmara dos Comuns; o outro nas Malvinas e em Whitehall. O retrato que Gary Oldman faz de Churchill, como o de Streep a Thatcher, beneficia da competente interpretação de ambos, dependendo excessivamente destes enquanto protagonistas. Não há uma linha condutora: há a tentativa de enfiar a história toda sem se esquecer nenhum pormenor, acabando por se esquecer o próprio filme. Não é por acaso que Kristen Scott Thomas (Clemmie Churchill) e Ben Mendelsohn (Jorge VI) passam tão despercebidos como qualquer outro que não Meryl Streep em “A Dama de Ferro”.
Não deixa de ser nostálgico, claro, ver um escritor derrotar políticos exercendo a política. O Nobel que venceu, afinal, foi o da Literatura. Mas, em 2017, o melhor filme sobre Churchill – sobre o que ele representou – é aquele em que ele não aparece, mas está. E não é este. Foi “Dunkirk”, de Christopher Nolan.
As palavras podem ter salvado a Europa, mas não salvam “A Hora Mais Negra”.