«Caridade»

Apesar de não se tratar de uma palavra escrita fora do local devido, esta placa indicativa de uma localidade chamou-me a atenção pela palavra que continha – «Caridade» – e pelo facto de estar a apontar na direção contrária à que eu seguia. Como se a caridade ficasse sempre em sentido contrário, como se ela…

Efetivamente, a caridade implica um esforço acrescido às atividades que realizamos no dia a dia, ou seja, uma viagem para além das nossas rotinas habituais, porque efetivamente a caridade exige sempre mais de nós.

E, apesar de ser um conceito muito debatido, importa esclarecer que caridade e «caridadezinha» são conceitos muitas vezes confundidos, mas totalmente opostos. Há, aliás, uma bem-conhecida crónica de António Lobo Antunes sobre este tema, em que o autor recorda as tias e os pobres «de estimação» que tinham, a quem, piedosamente, davam esmola, num ato de «caridadezinha», que tranquiliza a alma e acalma o espírito. Diz o autor: «Na minha família os animais domésticos não eram cães nem gatos nem pássaros; na minha casa os animais domésticos eram pobres. Cada uma das minhas tias tinha o seu pobre, pessoal e intransmissível, que vinha a casa dos meus avós uma vez por semana buscar, com um sorriso agradecido, a ração de roupa e comida».

Na sua definição lexical, caridade significa: «amor de Deus e do próximo, benevolência, bom coração, compaixão». Do latim, «caritate» deriva de «caritas», ou seja, amor. Ajudar o outro, com caridade, é, pois, ajudá-lo naquilo de que mais necessita, reconhecendo-o como pessoa, reconhecendo que tem direito a ser tratado com dignidade e não com condescendência; caridade praticada de forma altruísta, sem buscar nenhuma recompensa. A condescendência e a piedade implicam sempre um ato de superioridade, de quem ajuda, sobre quem é ajudado, como se quem ajuda, só pelo facto de estar a ajudar, tivesse direito a subir uns quantos degraus na escala da humanidade. Como afirma Tolentino Mendonça: «A caridade não é uma vaga e eventual manifestação de piedade, mas um radical e preciso sentido do outro».

Reconheço que é difícil ajudar e manter o equilíbrio entre cuidador e pessoa cuidada, é difícil conseguir não nos sentirmos diferentes daqueles que ajudamos. Porém, sem este equilíbrio, a ajuda não ajuda verdadeiramente; apenas cobre uma necessidade imediata. Tal como o famoso provérbio oriental indica, não é com um peixe que se mata a fome, é ensinando a pescar, é dando os instrumentos para que o outro possa romper a situação difícil em que se encontra e consiga mudar o rumo da sua vida. Tal como afirma Paiva Netto: «A Caridade, aliada à Justiça, dentro da Verdade, é o combustível das transformações profundas».

A 5 de setembro (data da morte de Madre Teresa de Calcutá) de 2013, começou a celebrar-se anualmente o Dia Internacional da Caridade. Nesta data, Ban Ki Moon, secretário-geral da ONU, declarou: «A caridade desempenha um papel importante no apoio aos valores e no trabalho das Nações Unidas. Doações de tempo ou de dinheiro; envolvimento voluntário numa das suas próprias comunidades ou no outro lado do mundo; atos de caridade e bondade sem expetativa de recompensa; estas e outras expressões de solidariedade global ajudam-nos na nossa procura partilhada de vida em harmonia e de construção de um futuro pacífico para todos».

Somos seres complementares. Só garantindo o bem-estar do outro, posso usufruir do meu próprio bem-estar; só tendo a certeza de tudo fazer para contribuir para um mundo mais justo e fraterno, poderei viver plenamente a liberdade que me é dada e que tanta responsabilidade acarreta. Só recorrendo às minhas capacidades e aos meus sentimentos poderei ser verdadeiramente útil aos outros. Só usando o meu coração e o meu cérebro.

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services