Carla Bruni – French Touch
Velha vaga
Carla Bruni já deixara as passereles mas ainda não era primeira dama francesa, nem ganhara o apelido Sarkozy, quando o magnífico “Quelq’un M’a Dit” irrompeu como um tsunami de serenidade. Um clássico do melhor que a folk pode ser: pura, sem artifícios, gordura ou maquilhagem, tal e qual a beleza majestática de Carla Bruni, quando brilhava como modelo e capa de revista. Raras vezes o mínimo denominador comum foi tão maximalista. Até a esfera privada dominar a vida pública, continuou a gravar. “No Promises” e “Comme si de rien n’était” são herdeiros diretos sem rasgos tão inspirados e “normalizaram” Carla Bruni enquanto escritora de trovas para preencher o vazio sem o demitir. Houve um discreto “Little French Songs” pelo meio e “French Touch” é o fraco pretexto para tirar a viola do saco e investir em território sagrado: hinos do séc. XX, de “Enjoy The Silence” a “Miss You”, “Highway To Hell” e “Perfect Day”, em versões superficiais, pouco ou nada profundas, como quem dá um mergulho e se seca na toalha consolado por um daiquiri.
Conan Osiris – Adoro Bolos
Entre Nova Iorque e o Cacém
O primeiro grande álbum português de 2018 ainda bebeu champanhe do Pingo Doce no ano passado. António Variações estava entre Braga e Nova Iorque, Conan Osiris está entre Variações e o Omar Souleyman. O que tem graça em “Adoro Bolos” não é só a graça, é a sincerdade com que descontrói preconceitos da vida portuguesa, sem a diminuir. No fado, no experimentalismo, na música de coreto ou nas cassetes da feira, no funaná ou nos arabescos, há sarcasmo mas muita inteligência na forma de (des)construção. Há tudo menos vergonha do que está aparentemente a troçar. Conan Osiris não é membro do clube de fãs de Frank Zappa como Manuel João Vieira, não é um minimalista cuidadoso como PZ, nem perfilha do humor trágico dos comediantes de Internet. “Adoro Bolos” é punk naquilo que o punk é melhor: na vontade. É desassombrado e espontâneo. Tem assinatura de uma enigmática personagem mas guarda os truques na algibeira porque, mais do que outro pretexto, musicalmente é soberbo. E sincero.
Baxter Dury – Prince of Tears
Árvore de família
Do nome à voz, há múltiplas vias para relacionar Baxter com o pai Ian. A virtude do filho Dury é que, aceitando a descendência, conquista um espaço próprio. E de uma mão cheia de álbuns, “Prince of Tears” é talvez o maior herdeiro da família. Em curtos mas urgentes 29 minutos – o tempo de um vinil – Baxter Dury tanto recebe panfletos da ira dos Sleaford Mods (o vocalista Jason Williamson é convidado do álbum) em “Letterbomb”, como dança em câmara lenta as valsas funk de “Porcelain” e “Wanna”, para acabar com a história em grande estilo com “Prince of Tears”, um tributo nada subtil a “Histoire de Melody Nelson” de Serge Gainsbourg. “Sex and Drugs and Rock’n’Roll” era mais funk que rock’n’roll de um punk de boina que gingava dos pés ao cerebelo. Em episódios anteriores, talvez Baxter Dury tenha tentado fugir da sombra, apresentando-se ao mundo quase como um trovador em “Len Parrot’s Memorial Lift” de há quinze anos. “Prince of Tears” deixa-se de tretas e aceita a história, reescrevendo-a da única forma possível: à inglesa.