Davos não recebe um Presidente americano em funções há 18 anos, desde que Bill Clinton, prestes a abandonar a Casa Branca e acenando com os galardões de liberalizador dos mercados e arquiteto, por exemplo, do acordo de livre comércio NAFTA, se dirigiu aos Alpes e à coqueteria dos poderosos e ultrarricos para celebrar a fé, por aqueles dias inabalável, de que o globalismo seria o grande motor da prosperidade mundial. Os seus sucessores imediatos ergueram a mesma bandeira, o primeiro para se auxiliar na vasta guerra contra grupos terroristas internacionais, o segundo por considerar que o multilateralismo seria a chave da democracia e expansão do poder americano pelo mundo. Todavia, nem George W. Bush nem Barack Obama puseram pés na cimeira que o Fórum Económico Mundial realiza todos os anos nas montanhas. Nenhum considerou que beneficiaria de se ver fotografado ao lado dos 0,0001% do mundo, num encontro, ainda por cima, associado a uma série de mitologias secretas. Trump é outra história.
O primeiro líder americano a participar na cimeira anual de Davos em quase duas décadas é também o que menos razões parece ter para isso. Donald Trump não fez só campanha pelo fim da globalização e contra os laços multilaterais que, assegura, se aproveitam dos cofres e armas dos Estados Unidos. Trump, assim que chegou à Casa Branca, anulou o acordo de livre comércio que Obama passou os seus dois mandatos a negociar com vários países asiáticos, atacou e cortou o financiamento às Nações Unidas, abandonou o pacto climático de Paris, nada garante quanto ao futuro do NAFTA e, por estes dias, em vez de abolir os portões da política e comércio, procura, muito literalmente, erguer muros. O próprio tema do encontro deste ano é “Um Futuro Partilhado Num Mundo Fraturado” e isso, como defende abertamente o relatório anual de riscos do Fórum Económico Mundial, deve-se ao líder americano e aos seus discípulos nacionalistas. “O encontro dificilmente será uma reunião de consciências”, escreve Philip Stevens. “Os participantes de Davos orgulham-se do seu globalismo político. Devemos compreender que esta plutocracia tem uma consciência.”
O fórum desta semana pode revelar-se mais embate que encontro. Trump aterra nos Alpes na terça-feira, no mesmo dia em que o Presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, vão discursar sobre o estado e futuro da Europa. É ainda incerto – e até improvável – que o Presidente norte-americano, cujo discurso está agendado apenas para quarta-feira, se cruze com os dois líderes europeus. Mas é de esperar que Macron e Merkel – esta última revigorada pelo pré-acordo de coligação com o SPD – se lancem contra as políticas isolacionistas que fazem de Trump o pária de Davos. As linhas entre os líderes globalistas e os isolacionistas ficarão traçadas com nitidez. “Penso que Macron discursará com grandiosidade”, argumenta o diretor da Chatham House, Robin Niblett, em declarações à Reuters. “Ele não vai falar apenas da Europa. Tentará fazer passar a Europa como a protetora do mundo livre.”
É difícil apontar ao certo a razão pela qual Trump estará esta semana em Davos. Na Casa Branca, os moderados afirmam que se trata de uma vitória sobre os elementos mais nacionalistas da administração – seria difícil imaginar esta viagem caso o antigo conselheiro Steve Bannon ainda pertencesse ao governo. A realidade é que Trump aparecerá em Davos rodeado de conselheiros, ministros e da elite no poder. Segundo o seu gabinete de imprensa, o Presidente americano quer “promover a agenda do ‘América Primeiro’ com outros líderes”, mas é difícil concebê-lo nos mesmos círculos de empresários e líderes que, no ano passado, pelos dias em que Trump se preparava para tomar posse, abraçavam o líder chinês, Xi Jinping, por este prometer ocupar os vazios que o poder americano pudesse deixar na era Trump. “Nos EUA ele pode contar com o apoio de 40% da população”, diz Ian Bremmer, o presidente da conhecida empresa de consultoria Eurasia Group e um participante habitual da cimeira. “Entre a malta de Davos, esse número está mais próximo dos 5%”.