Em filosofia política, é permitido dividir o conservadorismo em duas reações distintas às revoluções: os conservadores anti-revolucionários (avessos à natureza da revolução, mas sem um ímpeto de retorno ao seu ponto prévio) e os conservadores contra-revolucionários (avessos à natureza da revolução e portadores desse ímpeto, coloquialmente associado ao rótulo ‘reacionário’).
Se é hoje evidente que a solução de governo conhecida como ‘geringonça’ se tratou de um fenómeno revolucionário dentro do sistema político, as reações a esse fenómeno por parte da área política subjugada – a direita – nunca foram claras, além da compreensível frustração. A saída de Passos Coelho e o aproximar de novas legislativas, no entanto, alteram esse panorama e obrigam a uma revisão de postura.
Rui Rio, eleito por margem curta (ainda que suficiente), está mais do que legitimado e o seu ponto de vista sobre cenários pós-eleitorais foi bastante debatido durante a corrida contra Santana Lopes. A prioridade «é afastar a extrema-esquerda do poder», mesmo que para tal seja necessário «dar uma maioria [parlamentar] ao PS». Dito de outro modo: não é um Bloco Central, é o viabilizar de Orçamentos (provavelmente só um, porque Rio enfrentaria congresso antes do segundo) em ambiente de pactos de regime. Manuela Ferreira Leite explicitou-o como «vender a alma ao Diabo». E a lógica falha por uma série de factores.
Rio, claramente um contra-revolucionário no que à ‘geringonça’ diz respeito, deseja que as coisas voltem a ser como eram. Insiste que Marcelo fez o mesmo com Guterres: deixou-o governar. Mas, convém que alguém lhe explique, já não estamos nos anos 90. O líder-eleito pelos sociais-democratas pode querer vender a alma a António Costa e isso não quer dizer que o PS a queira comprar.
Por que Diabo (lá esta ele) quereria um populista que se «arrepia ao ouvir falar em reformas estruturais» (Costa) governar o país com um tecnocrata que só fala em «reformas estruturais» (Rio)?
Ferreira Leite, que fez de tradutora esta semana, afirma que devemos louvar um político que se compromete a priori com as suas intenções e que isso obrigará Costa a fazer o mesmo. Eu, depois de sorrir um bocadinho, lembrei-me do último político que decidiu brincar à honestidade em Portugal. Chamava-se Pedro Passos Coelho – e não correu muito bem.
Com o PSD disponível para partir em 2.º lugar e a virar as costas a eleitorado à direita, há que olhar para o CDS. E a reação de Assunção Cristas não poderia ter sido mais pragmática. A líder dos centristas não é uma contra-revolucionária como Rio, não pretendendo regressar ao passado, mas antes uma anti-revolucionária: avessa à natureza da ‘geringonça’ sem negar que esta mudou os cenários pós-eleitorais. Ao contrário deste PSD, que ainda acredita que deve governar «quem fica em primeiro», Assunção lembra que o que interessa é «saber que forças políticas conseguem somar 116 deputados», isto é, uma maioria absoluta na Assembleia.
Se o PS ficar em primeiro, o PSD em segundo e o CDS em terceiro, com a direita a conseguir essa maioria, o que acontece ao «louvável» pré-compromisso de Rio?
Podem dizer-me que é «impossível», e eu digo-vos para olharem para o Ciudadanos, no topo das sondagens em Espanha; podem dizer-me que «vai dar muito trabalho», e eu digo-vos que ganhar 2015 também deu. Podem dizer-me até que «nunca aconteceu».
Mas não foi isso que dissemos todos da ‘geringonça’?