Arranca hoje o 48.o encontro anual do Fórum Económico Mundial (FEM) e são vários os riscos que os líderes mundiais, que estarão em grande número em Davos, na Suíça, vão ter de debater. A nível económico, a premissa para a edição deste ano é que haverá um crescimento económico que dará aos grandes decisores políticos e económicos “a oportunidade de enfrentar a fragilidade sistémica que está a afetar as sociedades, as economias, as relações internacionais e o meio ambiente”.
No pano de fundo deste combate à fragilidade sistémica está a Quarta Revolução Industrial, que alicerça o mote do encontro: “Partilhar o futuro num mundo fragmentado”.
De acordo com o Global Risks Report, revelado ainda antes do início do encontro, a economia, este ano, é uma preocupação menor do que em anos anteriores, mas ainda assim são numerosos os riscos e as suas variáveis que poderão colocar em causa o crescimento.
A geopolítica, com um aumento dos riscos associados a guerras que envolvam grandes potências, e as alterações climatéricas são as principais preocupações dos mais de mil inquiridos neste inquérito sobre perceção global de risco.
Segundo o inquérito, “os riscos económicos, por outro lado, aparecem com menos destaque este ano”, o que leva alguns “especialistas a preocuparem-se com a possibilidade de a melhoria das taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) mundial poder levar ao laxismo em relação aos riscos estruturais persistentes nos sistemas financeiro e económico globais”.
Daí que a desigualdade esteja “classificada em terceiro lugar entre os fatores de risco subjacentes”. O relatório aponta ainda para que a “interconexão de riscos mais frequentemente citada é a que relaciona as consequências adversas dos avanços tecnológicos com o alto desemprego estrutural ou o subemprego”.
“Uma crescente recuperação económica apresenta-nos uma oportunidade, que não podemos dar-nos ao luxo de desperdiçar, para atacar as fraturas que permitimos que enfraquecessem as instituições, as sociedades e o meio ambiente a nível mundial. Devemos levar a sério o risco de um colapso dos sistemas globais. Juntos, temos os recursos e novos conhecimentos científicos e tecnológicos para prevenir isto. Acima de tudo, o desafio é encontrar a determinação e o ímpeto para trabalharmos em conjunto para um futuro partilhado”, resume o fundador e CEO do FEM, Klaus Schwab.
Enfoque na tecnologia
Os avanços tecnológicos, em especial a robotização, digitalização, inteligência artificial e indústria 4.0, estão no topo da agenda do encontro mundial de Davos.
“O Fórum tem estado na vanguarda da Quarta Revolução Industrial e nas implicações da digitalização. Penso que os painéis de discussão com os grandes especialistas sejam de grande relevância, uma vez que a digitalização tem o poder de melhorar de forma significativa os padrões de vida, mas fenómenos como os monopólios desregulados dos gigantes tecnológicos (Facebook, Twitter, etc.), o futuro incerto do trabalho e a estratificação social que daí resulta também apresentam grandes riscos aos quais devemos estar atentos e tentar controlar”, aponta ao i Sandra Navidi, CEO da Beyond Global, que há vários anos marca presença em Davos.
Segundo a autora do livro “Superhubs”, que relata como funciona Davos, o encontro deverá “ter um foco de atenção mundial como nunca teve antes, uma vez que os stresses sistémicos nunca foram tão grandes”. Entre estes, a nível económico, Sandra Navidi destaca que o “protecionismo e as guerras comerciais serão uma parte importante do diálogo quer oficial, quer informal” do FEM.
Ao i, Sandra Navidi diz ainda que será interessante “ouvir os líderes políticos, titãs da indústria e pensadores dos mercados emergentes”, uma vez que à medida que o crescimento nos mercados desenvolvidos abranda, as estratégias dos mercados e recalibragem dos modelos de crescimento daqueles serão cada vez mais importantes.
Um cenário geopolítico deteriorado é responsável, em parte, pela perspetiva pessimista dos inquiridos no inquérito do Global Risks Report deste ano, com 93% dos respondentes a afirmarem que esperam que haja mais confrontos políticos ou económicos entre grandes potências e cerca de 80% a esperarem um aumento dos riscos associados a guerras que envolvam grandes potências.
De acordo com Sandra Navidi, durante o FEM, os “discursos políticos e os debates não são sobremaneira excitantes, mas as suas declarações deverão ser interessantes do ponto de vista da fricção internacional e dos graves riscos”, a que se junta um “número recorde de chefes de Estado e outros decisores globais-chave na assistência”.
No Global Risks Report deste ano são apresentados vários cenários para reflexão aos decisores, e entre eles estão “A morte do comércio: conflitos comerciais agravam-se e as instituições multilaterais são demasiado frágeis para responder” e “Perante o abismo: outra crise financeira ameaça respostas políticas e desencadeia um período de caos”.
Também constam do programa os temas “Democracia ameaçada: novas ondas de populismo ameaçam a ordem social numa ou mais democracias maduras” e “Identidade Geopolítica: no meio do fluxo geopolítico, a identidade nacional transforma-se numa fonte crescente de tensões em torno de fronteiras disputadas”.
Nestes cenários para reflexão há uma personagem comum a todos eles e que é um dos mais aguardados oradores do evento. Donald Trump, numa altura em que se conta um ano desde que é presidente dos EUA, vai fazer um discurso no último dia do evento.
“Não deixa de ser irónico que o lema do encontro do FEM deste ano seja ‘Criar um Futuro Partilhado num Mundo Fraturado” e o foco do evento seja o homem cujo principal interesse parece ser fraturá-lo”, diz ao i Sandra Navidi.
Segundo Navidi, o espírito de Davos é de “cooperação e compromisso “, mas a expetativa é que Trump vá enfatizar o caminho de isolacionismo dos EUA, como demonstrado anteriormente pela retirada dos Acordos de Paris, da Parceria Transpacífico, da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento e pelos ataques à Organização Mundial de Comércio”.
Com Donald Trump a enfraquecer o soft power (influência indireta na base do prestígio e da boa vontade), a Pax Americana e o poder económico (por exemplo, ao retirar-se da Parceria Transpacífico, cedendo o poder negocial à China) dos EUA, será, considera a CEO da Beyond Global, “interessante ver como os outros países se posicionarão em Davos para, de forma oportuna, preencher este vazio”.