O ano de 2017 terminou com o escândalo da Raríssimas, e 2018 abriu com outro ainda mais chocante: a tomada de assalto da Fundação O Século. Poder-se-ia dizer… ‘mais do mesmo’, mas não é o caso. Na Raríssimas, a histeria nacional ameaçou com investigações, processos e julgamentos; no caso de O Século, um manto de silêncio abafou as denúncias da revista Visão, que titulava na capa: «Como a maçonaria, a família do presidente Emanuel Martins e os políticos de Oeiras tomaram conta da Fundação!» Uma chamada forte, mas sem efeito visível, a provar o que já se sabia: o Grande Arquiteto do Universo não desampara os súbditos!
Amigos bem informados garantem que o desfecho dos dois casos vai depender das redes sociais, porque é aí que se formata o que se escreve nos jornais, o que se diz no discurso político, o que se analisa nas investigações, o que fundamenta as peças acusatórias e pauta, até, as decisões dos juízes. É lamentável, mas é o que temos. Até ver, uma única consequência dos dois episódios: as IPSS vão ser sobrecarregadas com órgãos de fiscalização, de auditoria e de supervisão, e o dinheiro consumido em sucessivos patamares de controlo vai faltar para a ação solidária.
Nada justifica as más práticas, sejam elas as da ‘senhora das gambas’ ou do ‘xerife de Oeiras’. Mas, no que se escreve, não podem confundir-se crimes de apropriação indevida com a tradição do convite a ‘ilustres’ para abrilhantarem os elencos das obras sociais.
A menos que seja para desviar atenções, como aconteceu com a Raríssimas, em que os zeladores dos bons costumes correram a expor no pelourinho os nomes das personalidades que passaram pelos órgãos sociais. Mistérios? Ou poeira para os olhos de quem se basta com o que está à superfície?
Lembremos a hipocrisia da perseguição aos governantes que foram à bola a Paris, e aos deputados que foram à China. Em ambos os casos, tudo foi feito às claras, envolvendo gente de todo o espetro partidário e à vista de jornalistas, que fotografaram e reportaram o que quiseram. A ‘ética republicana’ exigiu sangue, o primeiro-ministro correu a juntar a voz justiceira, os pecadores foram condenados à fogueira e o povo aplaudiu! Mais hipocrisia? O limite de 150 euros para as ofertas a titulares de cargos políticos. A corrupção passa por aí? Não gozem com o pagode…
O mal não está no que acontece à vista de todos, está no que se faz às escondidas. Está, por exemplo, nos facilitadores que povoam os corredores do poder, no secretismo das lojas maçónicas e nos escritórios dos advogados do regime, que riem de gozo de cada vez que discussões acaloradas sobre o preço dos ‘vestidos para ir à Rainha’ preenche o prime time das televisões.
Enquanto o enriquecimento ilícito permanece milagrosamente intocado graças a um pacto repugnante feito entre os partidos, temos as gambas. Pobre país este, onde até as gambas servem para as cortinas de fumo que encobrem Freeports e submarinos…
P. S. – O respeito aos leitores obriga-me a calar o que comentei em privado em relação às críticas ao ministro Centeno no caso dos convites para um jogo no Estádio da Luz.