O Brasil aproxima-se do choque. O símbolo da situação, no dia em que começa o julgamento de Lula, é o facto de estarem marcadas duas manifestações ao mesmo tempo e para o mesmo sítio na maior cidade brasileira, São Paulo. Manifestantes pró-Lula e anti–Lula querem desfilar na conhecida Avenida Paulista. As autoridades, citadas pela edição brasileira do “El País”, não têm a certeza de quem entregou primeiro o pedido para a manifestação mas, por via das dúvidas, um porta- -voz da Polícia Militar já deu a primazia aos manifestantes contra o histórico líder do PT.
Em Porto Alegre, cidade onde decorrerá o julgamento, os manifestantes favoráveis ao ex-presidente Lula e os que pedem a sua condenação vão estar a mais de seis quilómetros de distância. Mesmo assim, para evitar confrontos e infiltrados da polícia que depois deem azo a ataques à manifestação das forças e movimentos sociais de esquerda, o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ) e a maior centrar sindical brasileira, a CUT (Confederação Unitária dos Trabalhadores), criaram um corpo de “segurança voluntária” composto por mais de dois mil militantes que foram treinados para o efeito, segundo revela a revista “piauí”.
Trinta mil militantes organizados são esperados em Porto Alegre. Os manifestantes não querem atos de violência . “A nossa preocupação é não ter grupos [e infiltrados] que provoquem incidentes, coloquem fogo no lixo, o que gera uma imagem negativa da nossa manifestação”, disse Valcir Oliveira, militante do MST e coordenador da delegação do Assentamento Trinta de Maio, de Charqueadas, a 55 quilómetros de Porto Alegre.
O antigo presidente Lula é o candidato favorito em todas as sondagens realizadas até agora. A última divulgada pelo IBOPE é de outubro passado e dá-lhe mais de 35% das preferências, mas há estudos mais recentes que já falam em mais de 40% dos votos dos eleitores. Apesar de ser recordista em popularidade, o líder histórico do PT pode ser impedido de concorrer se o Tribunal Regional Federal da 4.a Região (TRF-4) confirmar a sentença da primeira instância, ditada pelo juiz que instruiu a acusação, Sérgio Moro.
Uma justiça que há muito se encontra sob suspeição generalizada. No dia em que foi conhecida a sentença de Moro, que condenava o ex-presidente Lula a nove anos de prisão, o juiz-presidente do TRF-4, Thompson Flores, não se coibiu de classificar a sentença em entrevista, mesmo sem ter lido o processo e a sentença, como algo de “irretocável” e “histórico”.
Embora não pertença à 8.a Turma, que julgará o recurso de Lula, como presidente do TRF-4, o desembargador teve de analisar 12 recursos apresentados pela defesa contra decisões judiciais. Não se declarou impedido para julgá-los; e, naturalmente, nenhuma das suas decisões foi favorável ao ex-líder do Partido dos Trabalhadores.
A politização da justiça e a subida de popularidade do ex-presidente Lula, que aparece como o mais provável vencedor de umas eleições livres no país, tornam a situação muito tensa. A condenação e a prisão de Luiz Inácio da Silva Lula podiam ser vistas como uma manobra política de uma justiça demasiado politizada, o que tiraria qualquer legitimidade ao ato eleitoral e mergulharia o país numa escalada de confrontação de consequências imprevisíveis. É talvez por isso que o site The Intercept Brasil defende que a maioria dos seus adversários políticos não desejam a condenação do ex-presidente e muito menos a sua prisão. Não por acaso, nos últimos meses, os mais ferrenhos adversários de Lula têm dito que preferem enfrentar o petista nas urnas. Bolsonaro, Fernando Henrique Cardoso, Doria e até Temer já fizeram declarações nesse sentido.