Lula da Silva foi ontem condenado pela segunda vez no mesmo caso de corrupção e vê-se praticamente afastado das eleições deste ano e do futuro político imediato do Brasil, apesar de liderar todas as sondagens.
O recurso do ex-presidente à sentença de nove anos e seis meses de prisão que o juiz Sérgio Moro lhe decretou em julho foi ontem derrotada pelo Tribunal de Recurso Federal da 4.ª Região, o TRF-4.
Os juízes Leandro Paulsen, João Pedro Gebran Neto e Victor Laus confirmaram ontem e por unanimidade que o antigo presidente Lula é culpado de receber como suborno da construtora civil OAS um apartamento triplex em Guarajá, no estado de São Paulo, em troca de ajustes de negócios à construtora da empresa petrolífera controlada pelo Estado brasileiro, a Petrobras. Estes mesmos juízes decidiram ainda que a pena sentenciada por Sergio Moro deve aumentar para os 12 anos e um mês de cadeia.
Esta sentença pode ditar em breve a prisão do antigo presidente – possivelmente até num prazo de 30 dias –, assim que estiverem esgotados os recursos ao tribunal. Esta condenação coloca Lula sob condições de se ver impedido de concorrer às eleições de outubro, devido à lei Ficha Limpa, que o seu próprio governo aprovou, em 2010. No entanto, tanto do ponto de vista judicial, como até do ponto de vista eleitoral, o fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) pode ainda recorrer. Horas depois da sentença, confirmada ao início da noite em Portugal Continental, realizavam-se manifestações de apoio ao ex-presidente em vários estados, que decorriam com tranquilidade pela hora de fecho desta edição. No momento em que o terceiro magistrado confirmou a pena, soou uma grande buzinadela no país.
As declarações de Lula, logo pela manhã, já reagiam a uma espécie de sentença anunciada, que, todavia, ele quer que saia caro aos opositores. Vestido com uma camisa vermelha, em São Bernardo do Campo, a localidade da mítica zona industrial, o chamado ABC de São Paulo, que o viu nascer na luta como sindicalista e contra a ditadura militar, o antigo presidente declarou, antes dos desembargadores se pronunciarem, que os seus juízes têm a consciência “menos tranquila” que a dele. “A única decisão que espero hoje é 3 a 0 pela minha absolvição”, acrescentou, irónico.
No discurso que fez perante os 500 militantes concentrados junto ao prédio da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula já alertava: “Se não acontecer [a absolvição], temos muito tempo pela frente para mostrar o equívoco e as mentiras contadas contra o PT”, disse, citado pelo “Folha de São Paulo”. Segundo garante o “Estadão”, Lula, já com as leituras dos juízes a decorrer, confessou a um grupo de amigos que iria até ao fim, independentemente do resultado do julgamento. “Comecei aqui [no ABC de São Paulo] e aqui vou recomeçar”, garantiu Lula aos amigos.
Embora o candidato do PT possa ainda recorrer do ponto de vista da justiça e em termos de candidatura, o juiz Leandro Paulsen, revisor do processo no TRF-4 e presidente da 8ª Turma, afirma que o tribunal pode decidir a prisão do político em pouco tempo, depois de julgadas as contestações que os advogados do ex-presidente ainda podem apresentar ao TRF-4. Paulson garantiu que é prática do TRF-4 determinar a prisão imediata de condenados quando estes têm uma sentença confirmada por um tribunal de segunda instância.
Já o advogado Alberto Toron declarou ao “Folha de São Paulo” que, caso haja decisão unânime do coletivo de juízes sobre a pena a condenar o líder histórico do PT (o que se confirmou), a prisão de Lula pode dar-se em cerca de um mês.
O que é mais irónico neste momento em que Lula é condenado, é que o artífice do seu processo, o juiz Sergio Moro, atingiu, pela primeira vez, níveis negativos de aprovação, com 53% dos brasileiros a afirmarem não confiar nele. Como escrevia ontem uma articulista da edição brasileira do “El País”, isto pode explicar-se pela desilusão dos brasileiros que apoiaram numa primeira instância a destituição de Dilma Rousseff, e que parecem arrepender-se agora ao ver que Lula e o PT estão a pagar sozinhos a fatura da campanha de Moro. “Muitos que apoiaram a queda de Dilma no passado recente já não escondem ressentimento”, escrevia ontem Carla Jiménez. “Há uma angústia visível diante do julgamento do TRF-4 sobre o suposto crime de Lula de ter sido beneficiado pela OAS com um triplex no Guarujá.” É o que diz Luís, de São Paulo, que diz ter apoiado o impeachment:“Tirar o Lula da eleição é um golpe.”