Fizz. Orlando Figueira assumiu dois crimes mas insiste que não foi corrompido

Procuradora Leonor Machado confrontou ontem o antigo magistrado do DCIAP com o seu arquivamento no caso Portmill (onde era visado Manuel Vicente). Segundo o MP, o caso não foi bem investigado: “O senhor não acha que poderia ter feito mais diligências?”

Orlando Figueira tem defendido no julgamento do caso Fizz que a acusação do MP é uma mentira e que não foi corrompido por Manuel Vicente, ex- -vice-presidente de Angola, mas a procuradora Leonor Machado não ficou convencida com os argumentos da defesa. Depois de um dia quase todo dedicado ao depoimento de Orlando Figueira, foi a vez de o Ministério Público questionar o arguido sobre as suas ligações a Angola, mantendo o entendimento de que poderia ter feito mais diligências num inquérito do caso Portmill antes de ter determinado o seu arquivamento, questionando até o antigo magistrado: “O senhor não acha que poderia ter feito mais diligências?”

Orlando Figueira referiu que não e adiantou que quando foi reaberto, mais tarde, o caso acabou por ser novamente arquivado por um colega. O arguido devolveu à procuradora algumas perguntas, o que levou Leonor Machado a pedir por mais do que uma vez que não fosse irónico.

Hoje, o MP vai continuar a questionar o antigo magistrado sobre todas as suas ligações a Angola e aos alegados benefícios para que arquivasse inquéritos que visavam o antigo vice–presidente angolano Manuel Vicente.

FIGUEIRA assume dois crimes Durante a parte da manhã, o antigo procurador admitiu ter praticado crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal ao receber dinheiro numa conta em Andorra, assegurando que em 2015, quando foi informado de que estava ser investigado, quis pôr um ponto final na situação, pedindo que o vice–presidente do Millennium/BCP, Carlos Silva, pagasse, como estava contratualizado, os impostos em falta.

Segundo o antigo magistrado – acusado de receber luvas de cerca de 760 mil euros de Vicente –, Carlos Silva só aceitou pagar esses impostos (Orlando entregou uma declaração retificativa em 2015) porque o arguido alertou para o facto de que, se fosse considerado autor do crime, Carlos Silva seria o coautor.

O terceiro dia de julgamento foi novamente dedicado quase por exclusivo à defesa do antigo magistrado do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). 

O arguido voltou a dizer que não contou a verdade no primeiro interrogatório, omitindo os nomes de Carlos Silva, Daniel Proença de Carvalho e a identificação da conta de Andorra, devido a um acordo de cavalheiros que tinha feito com o advogado Proença de Carvalho. E para provar contactos com o conhecido advogado, a defesa solicitou ontem inclusivamente a junção da faturação detalhada telefónica, entre 2012 e 2015, e o registo das entradas e saídas no Millennium/BCP.

Por outro lado, Orlando Figueira também deixou claro que não existirão registos de chamadas para o telemóvel de Daniel Proença de Carvalho, mas sim para o seu escritório.

Reitera que Vicente não teve influência Orlando Figueira diz que Manuel Vicente nada tem a ver com este caso e começou até por justificar que, a 10 de fevereiro de 2014, o Millennium BCP fez uma participação de Manuel Vicente e Armindo Pires por suspeitas de branqueamento de capitais, tendo tido o seu consentimento – na altura, o antigo magistrado estava a trabalhar no compliance do banco (entidade na qual, segundo disse, Manuel Vicente não tinha qualquer poder).

“Não compreendo como é que o eng.o Manuel Vicente é o todo- -poderoso que me corrompeu, eu faço acordo com ele e com Armindo Pires [referindo-se à versão da acusação], e depois estou no compliance do Millennium BCP e aprovo isto. Aconteceu porque foi o dr. Carlos Silva que me pôs lá”, afirmou.

“Dentro de um oceano com vários peixes, foram escolher um carapauzinho”, chegou a dizer perante o coletivo, criticando o facto de o MP associar a Manuel Vicente todos os factos na acusação.

O início dos incumprimentos após sair do DCIAP Segundo o arguido, de setembro de 2012 a agosto de 2013, o seu salário estava pago, uma vez que recebera antecipadamente a caução de um ano – foi-lhe transferida antes ainda de sair do DCIAP. Após agosto de 2013, o antigo magistrado diz que devido a não ter qualquer desenvolvimento e estando ainda sem trabalhar efetivamente, tentou perceber a sua situação. No final desse ano foi ter com o administrador do Millennium BCP Iglésias Soares, tendo percebido que ele não sabia o que se estava a passar.

Dado ser já fim do ano, perto das férias de Natal, Iglésias Soares empurrou o assunto para janeiro de 2014: “Nessa altura, o dr. Iglésias Soares tinha falado com Carlos Silva e este disse-lhe que ia enviar um emissário, com quem celebro em março de 2014 o contrato definitivo.”

E o que chegou do lado de Carlos Silva foi que, como os impostos eram da sua responsabilidade, Orlando Figueira tinha uma conta em Andorra: “O que fiz. Foi uma exigência de Carlos Silva.” Mas, diz, os impostos não foram pagos pelo banqueiro.

Figueira voltou a lembrar que foi a 27 de março de 2015 que soube pelo administrador do Millennium/BCP Iglésias Soares que estava a ser investigado por branqueamento de capitais e fraude fiscal. Nessa altura continuava sem notícias da sua ida para Angola, como inicialmente acordado.

“Foi um grande murro no estômago, fiquei uns bons dias sem dormir. Fiquei dois dias a ruminar naquilo e depois fui ao dr. Iglésias e disse que só via na situação dois crimes: fraude fiscal e branqueamento. Isto, pelo dinheiro que recebi na conta de Andorra, e disse-lhe: ‘Mas olha, se eu sou o autor, o Carlos Silva é coautor’”, conta, afirmando: “E isso foi o que o assustou, não foi por mim [que Carlos Silva nessa altura decide adiantar dinheiro para liquidar impostos em falta], foi pela coautoria de Carlos Silva.”

Além dessa advertência, Orlando Figueira disse ao mesmo administrador daquele banco estar desesperado, “farto da palhaçada com Carlos Silva” e disposto a pedir uma audiência à procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal.

Reunião com Proença e dúvidas do coletivo Nessa sequência, Orlando Figueira conta que teve a primeira reunião com Proença de Carvalho em abril: “Disse estar farto e ele disse que estávamos lá era para tratar do futuro. Disse-me que só havia fraude fiscal e branqueamento e que, pagando impostos, ficava tudo sanado, e disse para eu entregar uma declaração retificativa.”

Sobre os impostos relativos ao recebimento de 210 mil dólares na conta de Andorra, em falta, o coletivo questionou o porquê de Orlando Figueira, como magistrado que diz ser sério, não ter pago ao fisco, mesmo que tivesse sido combinado que cabiam a Carlos Silva.

O antigo procurador respondeu que em causa estavam 89 mil euros de impostos com juros. Tinha dinheiro, mas considerou que era uma obrigação que não recaía sobre si: “Eu ir pagar impostos que não me pertenciam, já sabe…”

Porque não falou antes? “Eu andei desde 2012 a 2015 a correr atrás da cenoura. E nos últimos tempos estive sempre condicionado para não falar no nome de Daniel Proença de Carvalho, Carlos Silva e na conta de Andorra”, conclui Orlando Figueira, lembrando que lhe pediram para mentir no caso Fizz e que, nessa altura, ele já estava encurralado.
“Cerca de 15 dias depois de estar preso, tive uma reunião com o dr. Paulo Sá e Cunha e contei-lhe o que tinha falado com o dr. Daniel Proença de Carvalho. Na reunião seguinte, o dr. Paulo Sá e Cunha disse-me que o dr. Proença de Carvalho asseguraria o pagamento da minha defesa”, disse Figueira ao coletivo, adiantando que ainda lhe foi assegurado “um emprego e que o dr. Carlos Silva iria explicar tudo, que era um mal-entendido e ia ser resolvido.”

Orlando Figueira acrescenta que estava numa situação frágil: “Eu estava com a minha vida destruída e estava manietado: vou ser advogado onde? Vou ser magistrado onde?”

Mas, pouco satisfeito, o coletivo questionou por diversas vezes o arguido sobre quais os motivos que poderiam levar Carlos Silva a querer esconder a sua contratação, uma vez que, segundo o antigo magistrado, a mesma não teve nada de ilegal. De acordo com Figueira, a postura do banqueiro justifica-se “com o medo da comunicação social”. Orlando Figueira diz que Carlos Silva é um homem “medroso”: “Só por medo ele pode ter deixado um inocente preso, um chefe de Estado com o nome enlameado e as relações dos dois países a deteriorarem-se.”

Por diversas vezes, o juiz presidente do coletivo, Alfredo Costa, alertou o antigo magistrado para falar só sobre factos. O arguido aproveitou para lançar novas críticas à investigação: “Se for para falar de factos ficava calado, porque não há factos na acusação.”

A ingenuidade mostrada por um antigo procurador que investigava grandes casos de crimes económicos também provocou alguma estupefação no coletivo. “Como é que é possível? E nem encontra razão para que tal tenha acontecido desta forma”, chegou a dizer o juiz.