A purga sem precedentes que nos últimos meses atingiu diversos círculos da elite saudita está para durar. A mais recente detenção de 11 príncipes que protestavam pacificamente contra a decisão da Casa Real de suspender os subsídios estatais para as faturas da água e eletricidade de membros da família real foi a última demonstração do empenho do príncipe herdeiro em afastar aqueles que desdenham do seu plano para revolucionar a economia e a sociedade da Arábia Saudita e desagrilhoar o país da dependência nas receitas do petróleo.
Presenteado em junho do ano passado com o primeiro posto na linha de sucessão do trono saudita, em detrimento do sobrinho do Rei Salman bin Abdulaziz Al Saud, Mohammed bin Salman pôs em prática um ambicioso plano de consolidação interna do seu poder. Nos primeiros meses levou a cabo afastamentos cirúrgicos de vozes incómodas da sociedade civil saudita, como clérigos, jornalistas ou intelectuais, e em novembro promoveu a famosa purga. Dezenas de príncipes, ministros, empresários, militares e funcionários públicos com ligações a outras fações dentro da família real que não a sua, foram detidos ou afastados dos seus cargos, acusados de crimes de corrupção e desvio de dinheiro, por um comité anticorrupção presidido pelo próprio príncipe herdeiro. «Almas fracas que colocaram os seus próprios interesses à frente do interesse público [para] acumular dinheiro ilicitamente», rotulou-os desta forma a Casa de Saud.
Entre os proscritos encontram-se o milionário Al-Waleed bin Talal, o ministro da Guarda Nacional Miteb bin Abdullah, o ex-governador de Riade Turki bin Abdullah ou o ministro da Economia e do Planeamento Adel Fakeih.
A guerra dos tronos saudita já levou à detenção de mais de 150 pessoas no espaço de três meses – incluindo as dezenas de príncipes e empresários que se viram confinadas às quatro paredes do luxuoso hotel Ritz-Carlton de Riade durante semanas a fio -, sendo que alguns dos detidos foram entretanto libertados mediante acordos pouco transparentes com a liderança saudita. Mas é, ela própria, uma mudança de paradigma, no que à tradição de consenso dentro da numerosa família real diz respeito. «Os afastamentos e as detenções sugerem que o príncipe Mohammed bin Salman está a estender a sua mão de ferro à família real, aos exército e à Guarda Nacional, para combater o que parece ser uma ampla oposição (…) às suas reformas [e] rompem com a tradição de consenso dentro da família real, cujo secretismo lembra o Kremlin nos tempos da União Soviética», explicava ao Financial Times o académico James Dorsey, no final do ano passado.
As medidas de ‘austeridade’ que os últimos 11 príncipes detidos criticaram publicamente e que determinados círculos realeza saudita veem com preocupação, fazem parte do plano progressista ‘Visão 2030’. Concebido pelo príncipe herdeiro, o projeto tem como fim preparar a Arábia Saudita para um futuro pós-petróleo, numa altura em que a sua economia se encontra em recessão, fruto de três anos consecutivos de quedas significativas no preço do barril. Para a execução do plano foram decretados aumentos de impostos, cortes nos apoios estatais à família real e uma série de novas leis que restringem algumas das regalias do velhinho establishment saudita.
A ‘Visão 2030’ aposta na promoção de uma ideia de Estado competitivo, moderno e inovador, assente numa reforma quase total do seu modelo económico. Abrange por isso a diversificação do comércio, do turismo, das infraestruturas, do lazer, da educação e da saúde, e a modernização da ultraconservadora, opressora e segregacionista sociedade saudita. A recente extensão do direito de condução às mulheres, a inauguração de salas de cinema ou a abertura das portas dos estádios de futebol ao sexo feminino são algumas das mudanças trazidas pelo plano imposto por Mohammed bin Salman e que, tendo em conta a resistência demonstrada por algumas fações dentro da Casa de Saud, promete continuar a engrossar a lista de proscritos.