O consultor, o criativo e o conselho de administração

Se há negócio que admiro desde que trabalho na área de estratégia é o das consultoras. É raro encontrarmos nas grandes empresas uma linha estratégica de desenvolvimento de negócio que não tenha sido desenvolvida em parceria, ou pelo menos a partir de uma recomendação de uma empresa de consultoria. 

Os consultores analisam, desenvolvem e recomendam, mas depois a implementação é normalmente conduzida pelos recursos da organização e por toda a sua rede de parceiros. E, na opinião generalizada do meio empresarial, corroborada pelos resultados que apresentam, as consultoras fazem-se pagar bem. 

Não estou a dizer que a atividade das consultoras seja fácil por não terem a responsabilidade da implementação, sei que não é, requer muito trabalho, dedicação e talento. É apenas muito diferente do nosso, o das agências de comunicação. Apesar de usarmos metodologias e ferramentas muitas vezes idênticas, fazemos estratégias que procuram sustentar ideias para o desenvolvimento de marcas e estimular o crescimento das vendas. Uma etapa subsequente às decisões de negócio. Certamente que também há casos em que ideias de comunicação transformam o negócio na sua génese. Mas não são assim tantos. 

Não escondo alguma surpresa quando, no ranking das maiores agências de comunicação de 2016, leio o nome da Accenture Interactive na sexta posição! Na décima primeira linha está a Deloitte Digital. Imediatamente ao lado, na coluna que indica o Worldwide Revenue % Change, 57.8 na linha da Accenture Digital e 12.1 na da Deloitte Digital. Volto a ler os números e apenas a IBM Interactive Experience, outro nome estranho aos grandes grupos de comunicação, apresenta um crescimento desta dimensão, 33.6.  

O crescimento destas empresas, principalmente no caso da Accenture, deve-se em boa parte a uma estratégia de aquisições de pequenas e médias agências, com um claro foco no digital. Mas significa sobretudo um crescimento da oferta das consultoras, uma maior capacidade de implementação de, pelo menos uma parte, das soluções que propõem. 
Mas serão estes dois mundos compatíveis?

Comecei este texto afirmando que admiro o negócio das consultoras e não, não é só pela fama que têm de ganhar muito dinheiro. As consultoras são, regra geral, percebidas como parceiros de negócio num sentido profundo, chamadas a analisar os temas mais sensíveis e a contribuir para as decisões mais importantes da vida das organizações. Têm a vantagem, com todo o mérito, de conseguirem falar a mesma linguagem que os gestores no que diz respeito a objetivos e indicadores de performance. Percebem bem o que incomoda o sono do CEO. Depois, as consultoras sustentam as suas recomendações num conhecimento da realidade de múltiplos setores e na utilização de modelos de análise e desenvolvimento amplamente testados e reconhecidos. E por fim, mas talvez o mais importante, entram pela porta certa, isto é, têm acesso aos principais decisores das empresas.

Do lado das agências, é evidente um esforço para conquistarem novos espaços enquanto parceiras do negócio, mais em algumas indústrias do que noutras e, normalmente, um ou dois níveis abaixo do ambiente das consultoras. A linguagem das agências e dos clientes tende a ser cada vez mais próxima, o crescimento dos meios digitais contribui muito para uma maior sintonia, além da natural renovação de equipas que acontece de ambos os lados. Mas ainda não é a mesma. 
A grande diferença entre agências e consultoras está na cultura das empresas. Nas agências, o foco está na preservação do seu bem mais precioso: a ideia. Pela ideia vale quase tudo, pois ela tudo resolve. Ou quase. Nas consultoras há um discurso orientado para uma visão mais holística, que compreende todas as áreas de atividade do cliente. Eventualmente, mais pragmático. 

É na diferença de culturas destes dois tipos de organização que residem as maiores diferenças e eventuais dificuldades de integração, apesar de ambos lutarem exatamente pelo mesmo objetivo, o crescimento do negócio dos seus clientes. O caminho para lá chegar é que ainda é muito diferente, pelo menos por enquanto.

Atualmente as consultoras e as suas estruturas de comunicação são entendidas como concorrentes das agências, mas apenas numa parte do negócio. O crescimento das consultoras na área da comunicação tem acontecido pelas áreas do digital, dos conteúdos e com uma forte orientação tecnológica. E aqui, voltando aos rankings, o da econsultancy coloca três operações de consultoras entre as cinco maiores agências digitais do mundo. 

Por todos os argumentos da oferta das consultoras e pela posição que já detêm no mercado, subestimar estes concorrentes pode ser um erro crasso. 

Para as consultoras, entregar serviços de comunicação é um processo de cima para baixo, o completar de um ciclo. Para as agências, fornecer serviços de consultoria ao nível das grandes linhas de negócio, é subir uma montanha. É para aí que devem olhar e caminhar, mas vai demorar até eventualmente chegarem ao topo. 

Apesar de ambos os negócios serem dominados por grandes redes globais, as principais empresas de cada uma das atividades não têm a mesma dimensão. A Accenture, a consultora que mais agências tem comprado, tem um valor de mercado superior a 100 biliões de dólares, enquanto que a WPP, o maior grupo de comunicação, está cotado em cerca de 25 biliões. Uma Big4 comprar uma Big6 é um cenário que já tem sido falado.

Concorrência ou integração? Ainda ninguém sabe, mas certamente já foi muito mais distante a imagem de um diretor criativo, com os seus ténis All Star, a discutir a viabilidade de uma fábrica numa reunião de conselho de administração. Isto se o estereótipo ainda se continuar a aplicar. 

*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media