O antigo procurador Orlando Figueira disse ontem que o caso Fizz serve para atacar no coração a anterior diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Cândida Almeida. Reforçando a ideia de que nunca foi corrompido pelo antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente, esteve durante uma boa parte do dia de ontem a justificar as suas decisões nos dois inquéritos que visavam Vicente e que arquivou.
A tese da acusação de que tentou beneficiar Manuel Vicente a troco de um suborno de 760 mil euros tem sido refutada pelo arguido desde a primeira sessão e, ontem, Orlando Figueira voltou a garantir que quando saiu do DCIAP foi para ir trabalhar para o banqueiro Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico e vice-presidente do Millennium BCP.
E adiantou mesmo uma explicação para que o Ministério Público tenha seguido outro caminho que não o da sua versão. Segundo diz, caso optasse por considerar que quem o contratou era Carlos Silva (e não Manuel Vicente), caía logo o crime de corrupção. E de mais a mais, disse Figueira ao coletivo, há uma teoria da conspiração que, na sua cabeça, faz todo o sentido.
“Com a saída da dra. Cândida Almeida do DCIAP [em 2013] houve uma sangria [saída de magistrados]. Os que entraram são os bons, e agora detetam-se falhas aqui e ali”, disse, sugerindo que em causa está apenas uma guerra de fações dentro do MP. O antigo procurador falou mesmo numa “noite de facas longas” e assegurou acreditar que se está perante “um ajuste de contas”.
Orlando Figueira foi mesmo mais longe e disse que este seu processo “toca no coração da dra. Cândida Almeida”. Primeiro, “porque o DCIAP é um filho da dra. Cândida Almeida, depois porque “ao tocarem [lhe], tocam–na a ela”, uma vez que era uma pessoa da sua confiança.
A anterior diretora do DCIAP será a primeira testemunha a ser ouvida mas, ainda assim, o arguido não espera que isso o ajude: “A dra. Cândida Almeida veste a camisola do MP a 100% e, estando eu fora da magistratura agora…”
Chegando a considerar-se “o cordeiro de Deus do MP”, Figueira disse que “estava a jeito, apenas por ter procurador melhores condições de trabalho” – mesmo apesar dos cuidados que teve. Um deles foi ter seguido o conselho do juiz Carlos Alexandre, seu amigo há 30 anos, de deixar os processos de Angola na sua reta final no DCIAP.
A mão atrás do arbusto Para o antigo procurador, não faz sentido este processo ter chegado a julgamento, muito menos com estes quatro arguidos – além dele, são arguidos Manuel Vicente, Paulo Blanco, advogado do Estado angolano em diversos processos, e Armindo Pires, homem de confiança de Vicente: “Assumindo por abstrato a tese da acusação, eu não percebo como é que há terceiras pessoas que tiveram intervenção e que ficam de fora deste processo.”
Uma das possíveis explicações, conclui, é haver “uma mão por trás dos arbustos a abençoar determinadas pessoas para que determinadas pessoas não venham aqui para o meio de nós”, disse, referindo-se a Carlos Silva e a Daniel Proença de Carvalho.
Procurador assume: “Posso ter errado” Orlando Figueira admitiu ontem pela primeira vez que pode ter cometido erros numa das investigações a Manuel Vicente que acabou arquivada. A alteração da sua posição – até aqui disse sempre que os seus despachos eram “tecnicamente irrepreensíveis” – surgiu quando foi confrontado pela procuradora Leonor Machado com um despacho de um outro procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal onde punha em causa os procedimentos de Orlando Figueira no processo relativo à compra de 24% das ações do BES Angola por parte da sociedade Portmill.
Em questão está o processo 149/11, que nasceu com base numa participação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, onde eram referidas várias personalidades angolanas – incluindo, refere o MP, Manuel Vicente. O inquérito visava perceber como é que, em 2009, a Portmill tinha comprado as ações e se haveria algum crime de branqueamento do montante envolvido – 375 milhões de euros -, nomeadamente, se isso envolveria ou não Ricardo Salgado, uma vez que o dinheiro foi pago ao BES.
Orlando Figueira enviou uma carta rogatória para Angola para obter informações sobre essa sociedade, mas acabou por não receber resposta – algo que não inviabilizou o arquivamento.
A procuradora Leonor Machado disse que no processo 149, após ter sido referido que era importante investigar Manuel Vicente, o nome do antigo vice–presidente de Angola foi retirado da carta rogatória enviada a Angola.
Orlando Figueira, no entanto, assegura que a investigação não o visava e que o projeto de carta rogatória que exclui o nome de Vicente foi inclusivamente da responsabilidade da Polícia Judiciária.
O processo arquivado por Orlando Figueira acabou, porém, por ser reaberto. E a argumentação do arguido de que voltou a ser arquivado não colheu. A procuradora Leonor Machado lembrou que no despacho de reabertura do novo procurador, Paulo Gonçalves, é referido que Orlando Figueira não fez o “follow the money”, ou seja, não seguiu o rasto do dinheiro, e outras diligências, nomeadamente porque por trás da Portmill estariam diversos elementos da elite angolana, havendo referências até a Manuel Vicente. Nesse momento, Orlando Figueira admitiu: “Posso ter errado, poderia ter feito o follow the money.”
O antigo magistrado afirmou que, ainda assim, isso não alterou o final, uma vez que o novo inquérito acabou por ser arquivado outra vez.