Orlando Figueira não deixa que as perguntas sejam feitas até ao fim e nem a caixa metálica dos arguidos chega para limitar o seu estilo expansivo. A primeira semana de julgamento do caso Fizz foi praticamente dedicada à sua defesa, assente sobretudo em três ideias: a acusação é um «suponhamos» e «uma mentira repetida muitas vezes não se torna verdade»; Manuel Vicente não tem nada a ver com isto e nunca o corrompeu, uma vez que foi contratado pelo banqueiro Carlos Silva; e, por fim, se por hipótese se admitisse a tese da acusação, faltariam no banco dos réus algumas pessoas: nomeadamente, Carlos Silva e Proença de Carvalho. No último dia trouxe ainda uma explicação: a de que tudo isto não passa de um «ajuste de contas» para atingir o «coração de Cândida Almeida», antiga diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
Para já, a única certeza deste julgamento é que o ex-vice-presidente de Angola será julgado à parte dos restantes arguidos.
Nunca esteve com Vicente
Quanto a Manuel Vicente, acusado de o corromper, foi perentório: «Não conheço Manuel Vicente, nem direta nem indiretamente». Orlando Figueira insistiu ainda que Cândida Almeida, antiga diretora do DCIAP, estava por dentro de tudo e que os seus despachos de arquivamento foram sempre sufragados pela superior hierárquica.
A acusação defende que Manuel Vicente, ex-vice-Presidente de Angola, pagou 760 mil euros ao antigo procurador português Orlando Figueira para que este arquivasse o inquérito conhecido como Portmill, que visava aquele ex-governante. No esquema de corrupção, segundo o MP, terão participado o antigo advogado do Estado angolano Paulo Blanco e Armindo Pires, homem da confiança de Vicente.
Falando em concreto do inquérito 5/12 (ver texto ao lado), Figueira diz que quando Paulo Blanco lhe levou documentação para justificar os rendimentos de Manuel Vicente foi falar com Cândida Almeida, ex-diretora do DCIAP, e a mesma lhe disse já ter tido conhecimento através do advogado. Ou seja, diz o procurador, antes de falar consigo, Blanco já tinha falado com a sua superior hierárquica.
Empréstimo dos 130 mil euros
Orlando Figueira afirma mesmo que quando conseguiu um empréstimo de 130 mil euros do Banco Privado do Atlântico (de que é presidente Carlos Silva), Manuel Vicente ainda não estava a ser investigado. E adiantou que o inquérito 149/11 «nada tem a ver com Manuel Vicente», apontando mais esse erro à investigação. Na versão do procurador, o que estava em causa era apenas a venda de ações do BES Angola pelo BES por 373 mil dólares e a entrada do dinheiro no banco português.
Quanto ao facto de a acusação dizer que a procuradora Teresa Sanchez assinava os despachos com Orlando Figueira mas que tinha uma autonomia reduzida, o antigo procurador desmente e diz que isso não é verdade, até por se tratar de uma magistrada com 16 anos de profissão. «A doutora Teresa Sanchez tinha total autonomia, mas [mesmo que não o tivesse] a obediência cessa quando há a prática de um crime», atirou.
Carlos Silva e Proença
Segundo o MP, as novas informações trazidas pelos arguidos sobre a participação do banqueiro angolano e do advogado português não beliscam a acusação, mas Orlando Figueira tem-se esforçado por mostrar o contrário em julgamento.
Diz que foi contratado pelo banqueiro Carlos Silva para trabalhar no grupo do Banco Privado do Atlântico, mas que depois de uma denúncia do ativista Rafael Marques (coincidente com a realização do contrato), acabou por assinar um contrato que lhe foi enviado de Angola com a empresa Primagest. Garante que se trata de uma sociedade ligada a este banqueiro e não a Manuel Vicente como diz a acusação.
Segundo o antigo procurador, Proença de Carvalho foi quem o ajudou a desligar-se mais tarde desta empresa – quando soube que estava a ser investigado – e lhe pagou as despesas com o seu primeiro advogado no caso Fizz, Paulo Sá e Cunha. Em troca, confessa, foi-lhe pedido que não tocasse no nome de Proença de Carvalho, de Carlos Silva, nem no de uma conta que tinha aberto em Andorra e através da qual receberia a remuneração.
Em tribunal deixou uma garantia: não se importa que seja quebrado o seu sigilo telefónico para que o tribunal possa confirmar as ligações de Proença de Carvalho.
No seu entender, só existe uma razão para que a acusação insista no nome de Manuel Vicente em vez de colocar o de Carlos Silva: «Houve necessidade da investigação em pôr o Manuel Vicente e não o Carlos Silva, porque, se deixasse de haver Carlos Silva, deixaria de haver corrupção e crime. Por isso, com todo o respeito, se onde se lê Manuel Vicente se lesse Carlos Silva, não havia corrupção».
Coletivo surpreendido
O coletivo de juízes, presidido pelo magistrado Alfredo Costa, manifestou por diversas vezes a sua surpresa e incompreensão pela versão de Orlando Figueira. Quanto ao empréstimo de 130 mil euros do BPA, salientaram as alegadas facilidades dadas, lembrando que nos primeiros quatro anos e 11 meses, Orlando Figueira só tinha de pagar juros, e só no final tinha de liquidar os 130 mil euros.
Mas o que na sala de julgamento se tem sabido dos bastidores do DCIAP também não tem deixado os juízes indiferentes. Figueira revelou que dentro do edifício desapareciam papéis e havia violações de documentos selados, justificando assim o facto de ter devolvido toda a documentação comprovativa dos rendimentos do ex-vice-Presidente angolano, no inquérito 5/12 após o arquivamento. E tudo para evitar que os jornalistas pudessem consultar tal informação.
Além disso, os encontros entre os advogados das partes, como Paulo Blanco, e os procuradores chegaram também a ser questionados em audiência.
Assume dois crimes, mas não corrupção
O antigo procurador admitiu durante a semana ter praticado crimes de branqueamento de capitais e de fraude fiscal, ao receber dinheiro numa conta em Andorra, assegurando que em 2015, quando foi informado de que estava ser investigado, quis pôr um ponto final na situação, pedindo que o vice-presidente do Millennium/BCP, Carlos Silva, pagasse, como estava contratualizado, os impostos em falta. O que veio a acontecer, diz, porque o banqueiro receou ser coautor do crime.
Após diversas advertências do juiz presidente do coletivo, a semana acabou com um Orlando Figueira menos expansivo, a pedir autorização sempre que precisava de sair da caixa de arguidos para ir explicar os documentos que estavam a ser projetados na parede.