A passagem do Presidente dos Estados Unidos e de praticamente toda a sua corte pela cimeira anual do Fórum Económico Anual de Davos – apenas o vice-presidente Mike Pence ficou em terra – , carecia, logo à partida, de congruência, tendo em conta a natureza do encontro e a doutrina America First, preconizada pela nova administração. Que conselhos e contributos poderia dar o homem que torce o nariz aos acordos de comércio livre, como o NAFTA ou o TPP, que é fã de uma política económica protecionista e que preza os compromissos bilaterais por cima de soluções mais abrangentes, numa reunião onde se move a nata da visão ultraliberal da economia mundial e onde se apregoam as mais engenhosas soluções para deitar abaixo as barreiras que ainda existem ao comércio internacional?
Trump voou, pois, até à Suíça com um propósito, e durante os cerca de trinta minutos da sua intervenção, na sexta-feira, aquele nunca deixou de ser percetível: vender à plateia (e ao mundo) as maravilhas do novo modelo económico norte-americano. «Estou aqui para entregar uma mensagem clara: nunca houve um período melhor do que este para contratar, construir, investir e crescer nos Estados Unidos. A América está aberta ao comércio e está novamente competitiva».
Nunca escondendo que estava ali para «defender os interesses dos americanos», o Presidente dos EUA optou, no entanto, por não dar o cavaco que se previa às preces a favor da globalização e da cooperação internacional, levadas a cabo nos dias anteriores por líderes políticos como Angela Merkel e Emmanuel Macron. O seu foco foi quase todo direcionado para as vitórias da economia americana e para os benefícios da adesão a uma visão de prosperidade alicerçada em dois grandes pilares: menos regulação e menos impostos.
«Depois de anos de estagnação, a economia americana está a crescer e os mercados estão a bater recordes atrás de recordes. O mundo está a assistir ao ressurgimento de uma próspera economia americana», insistiu Trump.
Pelo meio voltou a manifestar a sua preferência por acordos bilaterais «com todos os países que o desejem fazer» e criticou – numa indireta à China – os países que insistem no «roubo maciço da propriedade intelectual» norte-americana.
O ‘momento Trump’ do discurso teve como protagonista a comunicação social e desencadeou sinais audíveis de desaprovação da audiência: «Foi só quando me tornei político que me apercebi quão má a imprensa consegue ser».
Na quarta-feira o palco tinha sido de ‘Mercron’ – um rótulo cada vez mais utilizado pela comunicação social para referir a dupla composta por Merkel e Macron, missionária de um novo ciclo para a Europa assente no ambicioso e renovado eixo franco-alemão. A chanceler da Alemanha e o Presidente de França nem sequer falaram ao mesmo tempo, mas a mensagem a reter saiu a uma só voz. O multilateralismo e a cooperação internacional são as únicas soluções para responder aos desafios económicos e políticos globais, em contraste com o protecionismo americano de Trump e o isolacionismo ‘brexiteer’ britânico.
Cada vez mais recomposta do trauma eleitoral alemão – que deixou o campeão europeu da estabilidade em autogestão desde o final de setembro -, fruto do princípio de acordo para a governação conjunta da Alemanha alcançado com Martin Schulz, Merkel subiu primeiro ao palanque. E sem referir o nome do Presidente dos EUA, deixou-lhe claramente um recado. «Perceber como encontramos soluções na Europa pode ser uma experiência cultural para pessoas de fora. Ações unilaterais e protecionismo não são soluções. Não nos deixemos desligar do mundo!», defendeu.
Num discurso que também serviu para desvendar os seus planos para reformar União Europeia – regulação da economia de dados; fortalecimento dos mercados de capitais e dos projetos para a união bancária; e conceção de uma política externa comum -, a chanceler afirmou mesmo que o isolacionismo, aliado ao «aumento do populismo», estão a ameaçar «o espírito que reconstruiu a Europa e que formou as instituições internacionais depois da II Guerra Mundial».
Na mesma linha, o Presidente de França fez bom uso da capa que leva aos ombros de aspirante a reformador da UE e lembrou que «a Europa tem uma responsabilidade e um papel a desempenhar» que lhe permita reagir às política económicas chinesas e norte-americanas: «Não sejamos ingénuos, a globalização atravessa uma fase complicada e exige o empenho de todos. Se quisermos evitar a fragmentação do mundo, precisamos de uma Europa mais forte».