É Carnaval mas eu levo a mal

Brinquem aos saloios e aos dentes noutro dia qualquer. No ano passado a Festa Medieval teve um Zorro e este ano a Feira Saloia vai ter um Ninja

O  Carnaval é por excelência a altura em que se pode ser o que se quiser. Algumas semanas antes os mais pequenos começam a dar asas à imaginação a pensar no que irão vestir no dia do Faz de Conta. 

É uma oportunidade de ouro para se ser forte e fantástico como os super-heróis preferidos, elegante e esbelta como as princesas e rainhas mais encantadoras, ou o que se quiser. De manhã os pais entram na brincadeira e ajudam a aperfeiçoar o disfarce: ajeitam as roupas impossíveis de vestir, arranjam forma de os filhos não passarem frio com aqueles fatos finíssimos, esmeram-se no que são os primórdios das pinturas faciais, calçam-lhes sapatos originais ou ajeitam-lhes o cabelo. As crianças saem de casa aos pinotes entusiasmadas com aquele dia diferente, ansiosas por se mostrarem aos amigos. Nas ruas a caminho da escola ou do trabalho podemos assistir a uma animação de cor e alegria contagiantes.

Até que surgem os carnavais temáticos impostos ou sugeridos pelas escolas, para aproveitar os fatos que vão usar no Dia do Agrupamento ou só para serem desmancha-prazeres. No ano passado andava o meu filho mais velho desejoso de se mascarar de Zorro, quando recebo uma informação a dizer que os alunos ‘deveriam’ mascarar-se de acordo com o tema Época Medieval. Se no ano passado ainda podia haver cavaleiros e princesas este ano a partida foi mais longe: o tema escolhido é a Festa Saloia. Um ano à espera do dia de Carnaval para se mascarar de… Saloio. Tenho conhecimento de escolas em que o tema é a higiene oral e se mascaram de dentes, outras onde as nuvens imperam no ciclo da água ou os países estão na ordem do dia. Não tenho nada contra saloios, dentes, nuvens ou países mas jamais desejaria mascarar-me de uma coisa tão aborrecida. Além de que é uma dor de cabeça para os pais que já têm trezentas coisas para fazer engenhar um fato desses.

A ideia é haver um dia de maior irreverência em que ousamos ser quem nos apetecer, muitas vezes alguém que admiramos, que tem características de que gostamos, que pode ser totalmente diferente de nós e que naquele dia experimentamos. Explora-se a originalidade e a imaginação. Cada criança vive a sua personagem e brincam todos juntos. Ora, o que se explora num saloio, num dente, numa nuvem ou num país que não se escolheu? A que é que se brinca? Ainda mais quando a escola inteira está cheia de clones? Que tédio.

Os meus resquícios de frustração dos tempos do Carnaval em que só me apetecia meter num buraco quando chegava à escola vestida de nazarena mal-amanhada com roupas que havia lá em casa e não com o que eu gostaria de me mascarar, enquanto as minhas amigas exibiam vestidos tirados de contos de fadas, fizeram com que me desse imenso prazer ver os meus filhos vestirem-se e brincarem com liberdade no Carnaval – e também noutros dias – com o disfarce que escolhem. Pode até ser improvisado com o que temos, mas vai ao encontro do desejo deles. 

Por tudo isto recuso-me a que na escola até o Carnaval seja imposto. Que desvirtuem um dia que tinha um propósito: o de poder brincar e sonhar. Brinquem aos saloios e aos dentes noutro dia qualquer. No ano passado a Festa Medieval teve um Zorro e este ano a Feira Saloia vai ter um Ninja. É que, apesar de ser Carnaval, eu não acho piada nenhuma à partida, e levo mesmo a mal.